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A Revolução Francesa de 1789

pintura da Tomada da Bastilha, em 14 de julho de 1789

Uma análise e cronologia

A crise final da monarquia absolutista francesa nos últimos decênios do século 18 foi o estouro de contradições acumuladas ao longo de mais de 150 anos, decorrentes de suas próprias medidas contra a crise que atravessara na primeira metade do século anterior, na mesma época da Revolução Inglesa.

Luís XI (1461-1483) dera início à construção do Estado nacional francês, ao promover a burguesia das cidades comerciais e associá-la à administração do reino. Fizera-o para submeter os grandes feudatários, acostumados à rebeldia durante a Guerra dos Cem Anos, recém-terminada (1453). Mas, ao associar-se à burguesia mercantil, lançara as bases do Estado nacional, pois a nação é uma criação da burguesia. Em sua luta contra o particularismo feudal, Luís XI confirmara e ampliara as milícias burguesas das cidades – as quais colocaram à sua disposição uma poderosa infantaria (já dispondo de artilharia) –, que o tornaram menos dependente do serviço de hoste da nobreza. Ao mesmo tempo, os ministros burgueses de que se rodeara deram início a uma nova forma de administração do Estado, mais favorável aos interesses mercantis.


Essa nova orientação da monarquia deu um salto no reinado de Henrique IV (1589-1610), a partir do fim da guerra civil de religião (1562-1598), com a reforma do sistema de administração do Estado e a criação um novo aparelho judiciário, ambos baseados no recrutamento de burgueses, aos quais os cargos foram vendidos e entregues em propriedade perpétua, fato que colocou esses burgueses acima do estamento social a que pertenciam no feudalismo. Porque colocar o aparelho de Estado nas mãos de burgueses fazia destes, por torná-los representantes da autoridade real, uma nova nobreza, agora “de ofício”, o que exigiu isentá-los dos tributos “aviltantes” e outorgar-lhes o direito de transmissão do cargo aos herdeiros, mediante o pagamento da paulette (taxa anual de “confirmação” do mesmo).

Mas a sustentação desse novo aparelho de Estado implicou, para o restante da burguesia e para os camponeses, o aumento dos tributos reais, que se tornaram exorbitantes no reinado seguinte, de Luís XIII (1610-1643). Daí o desencadeamento da crise monárquica do século 17. Porque, para os camponeses, o respeito às obrigações e tributos consagrados pelo costume era a garantia de sua liberdade relativa, sendo vista, portanto, como ilegítima a criação de tributos novos ou o aumento arbitrário dos antigos. Para os senhores feudais, a transferência de poderes de Justiça a tribunais de origem burguesa roubava-lhe prerrogativas antigas, enquanto o aumento desmedido dos impostos reais roubava-lhe as obrigações feudais costumeiras dos numerosos camponeses arruinados pelos confiscos dos coletores do rei.

Foi a junção de tão diversos e numerosos prejudicados pela centralização monárquica que desencadeou a longa série de revoltas, no campo e em mais de cem cidades, que se estendeu de 1623 a 1647. No decorrer delas, muitos senhores fizeram vista grossa e até incentivaram ataques a coletores de impostos. E a resposta do cardeal Richelieu, poderoso chefe de governo (1624-1642) sob Luís XIII, foi anular de vez o poder da nobreza provincial, instituindo intendentes reais (cargo não-hereditário) nas províncias, cada um deles dispondo de uma força de cavaleiros (o que rompia o monopólio nobre da cavalaria), a maréchaussée.

A derrota dessa longa revolta custou aos camponeses franceses as mesmas atrocidades em massa que foram infligidas aos camponeses protestantes alemães nessa época, que é a da Guerra dos 30 Anos (1618-1648). No entanto, o final feliz para o bloco de poder monárquico-burguês também deixou a nobreza mais à vontade para manobrar sem risco a massa pequeno-burguesa que abarrotava as cidades de então contra a grande burguesia e a corte. Tais manobras culminaram na Fronda (rebelião) dos nobres de 1648-1653, no tempo da regente Ana de Áustria (1643-1661), mãe de Luís XIV. E a solução final dada a esse conflito pelo cardeal Mazarino, chefe de governo durante essa regência, aguçou ao extremo as contradições do sistema monárquico absolutista.
Mazarino, porém, não fez mais do que o óbvio: acomodar os interesses da monarquia centralizada com os da nobreza rebelada. Porque a monarquia, embora já inteiramente dependente de relações econômicas mercantis, não podia simplesmente destruir a nobreza tradicional, base da legitimidade de seu poder. Aliás, o círculo de nobres de confiança do Conselho Real nunca deixou de ver a entrega dos poderes judiciário e administrativo à burguesia de ofício como um mal, embora um “mal necessário”, como afirma Richelieu em seu Testamento.

Charge de 1789, que mostra o terceiro Estado carregando o clero e a nobreza nas costas.
Gravura satírica francesa de 1789, que mostra o terceiro Estado carregando o clero e a nobreza nas costas.

De modo que a acomodação da monarquia mercantilizada com a nobreza feudal teve que trazer consigo a centralização também dos privilégios feudais, com distribuição de cargos e remunerações à alta nobreza, que foi concentrada em Versalhes, principalmente durante o reinado de Luís XIV (1661-1715). E isso correspondia igualmente à evolução natural do absolutismo, cujo poder devia se afirmar pela grandeza da corte e de seus gastos descuidados. Pois a concentração da alta nobreza na corte é a forma feudal de centralizar a monarquia absolutista. Diga-se de passagem, um subproduto desse deslocamento de famílias nobres foi o desenvolvimento capitalista no campo, onde grandes extensões passaram a ser cultivadas em arrendamento por agricultores capitalistas. Mas, de qualquer modo, todas as soluções da crise do século 17, inevitáveis para a monarquia francesa, implicaram o aumento do peso dos tributos sobre o Terceiro Estado, isto é, a burguesia sem “dignidades” e o povo miúdo.

O sistema tributário consistia em tributos diretos, que eram a talha (espécie de imposto de renda variável, arbitrariamente quantificado pelo rei para cada província), e a capitação (imposto individual), ambos pagos exclusivamente pelo Terceiro Estado, isto é, a burguesia e os homens livres em geral; e em tributos indiretos, que eram, basicamente, o vigésimo sobre todas as transações comerciais, a gabela (sobre o sal), as aides (sobre as bebidas) e os impostos alfandegários de fronteira e internos. Havia ainda o dízimo obrigatório, pago à Igreja Católica só pelo Terceiro Estado, e, para os camponeses, as rendas e obrigações aos senhores da terra, além das corveias reais, que se sobrepunham às corveias locais.

Cabe esclarecer que no século 18 a mercantilização das relações feudais, já havia extinguido quase toda a servidão da gleba, ou seja, a dependência pessoal ligada à terra (embora subsistisse largamente a servidão doméstica), posto que os senhores preferiam arrendar a terra por dinheiro e os arrendatários preferiam pagar salários sem estabelecer relações pessoais. Mas muitas terras ainda carregavam obrigações feudais (principalmente plantio de videiras ou outras culturas comerciais e entrega de parte da colheita), a maioria já passada às mãos da burguesia, em pagamento de dívidas de senhores. E subsistiam corveias porque muitos camponeses não haviam conseguido resgatá-las, sendo que as corveias reais exigiam novo resgate a cada convocação de serviço gratuito (na manutenção de estradas reais, por exemplo).

A nova crise que levou ao desabamento disso tudo no tempo de Luís XVI (1774-1792) apareceu inicialmente, na superfície da vida política de então, como um grande déficit do Tesouro real, no qual a dificuldade de aumentar a arrecadação do fisco se combinava com a impossibilidade de diminuir os gastos sem ferir privilégios que eram exatamente os sustentáculos do centralismo monárquico. Porque quando se tentou, nos inícios de 1787, resolver o problema, a primeira proposta foi, mais uma vez, aumentar os impostos diretos sobre os contribuintes de sempre, visto que os impostos indiretos entravavam a tal ponto a economia que seria contraproducente aumentá-los. Mas já chegara o momento em que a possibilidade de exigir maiores sacrifícios do Terceiro Estado chegara ao limite, devido à fraqueza do poder monárquico ante a burguesia, que vinha se fortalecendo com a expansão da economia capitalista. E assim o rei, precisando desesperadamente reforçar seu poder de persuasão sobre os contribuintes, se decidiu a convocar uma Assembleia de Notáveis, instituição que não se reunia desde 1626, a pedido do próprio controlador-geral das finanças do reino, Charles Alexandre de Calonne.

Mas o impasse era insanável sem mudanças drásticas. A monarquia estava desmoralizada aos olhos da burguesia e do povo, por manter um enorme aparelho militar com resultados medíocres na competição com as demais nações europeias, chegando a ficar atrás da pequena Holanda no volume de empreendimentos mercantis na América e no Oriente. Nesse contexto, a dispendiosa corte de Versalhes (a maior da Europa) aparecia como uma aberração. E com isso sua base de apoio ia ficando cada vez mais restrita à nobreza, o que lhe tirava força para reduzir privilégios que custavam cada vez mais caro. Ao mesmo tempo, a burguesia, que dominava toda a atividade produtiva e comercial, mas via a maior parte da riqueza do país ir para as mãos da nobreza, já adquirira influência política suficiente para bloquear qualquer tentativa de aumento de seus encargos fiscais.

Os passos do processo:

Gravura sobre a marcha das mulheres a Versalhes, em 1789.
A marcha das mulheres a Versalhes.

1787

22 de fevereiro – Instalação da Assembleia de Notáveis: 144 membros escolhidos pelo rei entre “príncipes de sangue” (nobres aparentados com a família real), prelados, nobres da corte e das províncias e prefeitos das grandes cidades (burgueses). A situação é suficientemente crítica para que o próprio Calonne inclua em seu projeto de reforma fiscal o lançamento de um tributo direto sobre a nobreza e o clero, incidindo sobre a terra agrícola. O projeto é rejeitado.

31 de março – Calonne apela à opinião pública, fazendo imprimir e divulgar seu projeto.

8 de abril – Demissão de Calonne. Em seu lugar, o rei nomeia Loménie de Brienne, arcebispo de Toulouse, principal adversário do projeto rejeitado.

1º de maio – Mas a divulgação do projeto de Calonne – que, além do mais, se ajustava ao pensamento fisiocrático, em prestígio dentro e fora da corte –, bloqueia de vez qualquer veleidade de pretender uma arrecadação maior baseada unicamente no aumento de tributos sobre o Terceiro Estado. Razão pela qual o próprio Brienne, cujo prestígio na corte não se traduzia em crédito entre os banqueiros, se vê forçado a retomar a proposta de um imposto territorial estendido a todos.

25 de maio – A Assembleia de Notáveis decide que só os Estados Gerais (reunião dos três estamentos sociais – nobreza, clero e Terceiro Estado –, que não ocorria desde 1614) podem votar impostos inteiramente novos. E tendo em vista que somente ao rei cabe convocá-los, Brienne dissolve a Assembleia.

22 de junho – Édito real cria assembleias provinciais (uma sugestão de Calonne).

O rei pretendia vender os cargos de membro das novas assembleias, mas como toda concessão de ofício real implicava isenção de impostos diretos, a grandeza da arrecadação resultante não seria suficiente para eliminar o déficit.

16 de julho – O Parlamento de Paris (a corte superior de Justiça) se recusa a registrar um novo édito real que cria uma subvenção territorial ao erário real (que corresponderia a uma talha extraordinária sobre as províncias). Tal recusa impede a aplicação legal do édito.

“Rebelião dos Notáveis” (16/7/1787-25/9/1788)

É, na realidade, uma rebelião dos Parlamentos, ou “nobreza de toga”, o segmento mais importante da nobreza de ofício. Os Parlamentos exerciam o poder de Justiça no reino, só accessível às pessoas de posses, por causa dos preços cobrados. Por sua origem, seus membros mantinham fortes laços com a burguesia e, por seus interesses, estavam organicamente ligados à monarquia, mas não particularmente à nobreza “de sangue”, que os considerava falsos nobres, e menos ainda à alta nobreza, que desejava sua extinção.

6 de agostoLit de justice (reunião do rei com o Parlamento de Paris). A presença do rei torna obrigatório o registro do édito rejeitado em 16 de julho.

7 de agosto – O Parlamento de Paris declara inválido o registro da véspera e é aclamado pelo povo, reunido em frente à sua sede, aos gritos de “Não aos impostos! Viva os pais do povo!” A rebelião toma ares de revolução.

A partir desta data entra em cena o que se pode chamar de “povo miúdo” das cidades, força motriz de toda revolução no Antigo Regime. Compõem-no os companheiros de corporações (em grande parte sem esperança de ascender aos graus de oficial e mestre), os inúmeros prestadores de serviços sem corporação e o comércio retalhista menor ou não-estabelecido, além de um incipiente operariado das manufaturas reais; formava um continuum com a massa pequeno-burguesa de artesãos e pequenos comerciantes, majoritária em muitas cidades até o fim do século 19.

14 de agosto – O Parlamento de Paris é exilado para a cidade de Troyes, onde é acolhido em triunfo. As cortes de Justiça menores e os Parlamentos provinciais passam a declarar solidariedade ao Parlamento de Paris.

15, 16 e 17 de agosto – Manifestações contra o rei nas ruas de Paris. A rainha Maria Antonieta é chamada de “madame déficit”.

4 de setembro – Luís XVI retira a exigência da subvenção territorial e o Parlamento retorna a Paris. É marcada a convocação dos Estados Gerais para 1792.

19 de novembro – Em sessão real com o Parlamento, o rei faz registrar um empréstimo de 420 milhões de libras ao Tesouro, a uma taxa de juro usurária. O duque de Orleans exclama: “Isso não é legal!” E o rei: “Sim, é legal porque eu o quero!”

Mas, no mesmo dia, assim que o rei se retira do Parlamento, este anula o registro, “por vício de procedimento”.

E assim o rei fica sabendo que os tempos do “L’état c’est moi!” haviam terminado.

1788

3 de maio – Declaração do Parlamento de Paris propondo “leis fundamentais do reino”: abolição das lettres de cachet (ordens de prisão arbitrárias do rei), Justiça independente, reuniões regulares dos Estados Gerais para decidir sobre política fiscal e finanças.

Vê-se que as mudanças propostas pelo Parlamento são as já alcançadas pela burguesia na Inglaterra: o direito de decidir sobre os impostos a pagar (conquista da Revolução Inglesa de 1640-1649) e o direito de habeas corpus (1679).

8 de maioLit de justice, em que o rei força o registro de seis éditos de reforma da Justiça e de cassação dos poderes dos Parlamentos, que são postos “em férias”.
Não é a primeira vez que o Parlamento é suspenso pelo rei, mas é a primeira vez que a suspensão é recebida com enorme agitação em todo o reino e não funciona.

7 de junho – “Jornada das Telhas” em Grenoble, onde as tropas reais, apedrejadas pela multidão, renunciam à imposição de “férias” ao Parlamento.

8 de agosto – O Alto Conselho Real antecipa a convocação dos Estados Gerais para 1º de maio de 1789.

16 de agosto – Por falta de dinheiro, o Tesouro suspende seus pagamentos.

25 de agosto – O rei chama Jacques Necker, banqueiro protestante com prestígio entre os notáveis, para o Controle Geral das Finanças. Necker já estivera nesse cargo de 1776 a 1881, e fora demitido ao tentar cortes nos gastos da corte. Nesta segunda convocação, o que mais interessa ao rei é o aval do prestigioso banqueiro a novos empréstimos, o que ele consegue.

23 de setembro – Buscando apaziguar a agitação social, o rei declara nulos os éditos de 8 de maio e restabelece o Parlamento em suas antigas prerrogativas.

25 de setembro – O Parlamento de Paris decide que os Estados Gerais serão compostos segundo a forma observada em 1614, o que significa que o número de deputados do Terceiro Estado não deve aumentar (contrariando a burguesia, que pedia modificações que lhe dessem maior representação) e o voto será por ordem (a decisão de cada estamento vale um voto).

Fim da “Rebelião dos Notáveis” de 1787-1788

6 de novembro – Necker faz reunir pela segunda vez a Assembleia de Notáveis, que confirma a decisão do Parlamento de convocar os Estados Gerais com a forma adotada em 1614.

Esta decisão, que deixa o Parlamento de Paris igualado aos notáveis do rei frente ao Terceiro Estado, coloca o conjunto do Estado monárquico contra a burguesia, que, naquele momento, está fundida com o movimento popular. E este se encontra em processo acelerado de organização em “clubes”, e seu ponto de encontro é o bairro do Palais-Royal (onde se concentram os cafés), que se torna um centro de agitação. Os clubes exigem a duplicação da representação do Terceiro Estado e o voto por cabeça, o que daria o poder de decisão ao Terceiro Estado sempre que votasse unido.

5 de dezembro – O Parlamento de Paris aceita que a representação do Terceiro Estado seja duplicada, mas não se pronuncia sobre a forma de voto.

É uma tentativa de acomodação à pressão das ruas e de conciliação com a burguesia, mas insuficiente para restabelecer os laços criados com o movimento popular em 7 de agosto de 1787, quando o Parlamento fora aclamado.

27 de dezembro – O Conselho do Rei, em Versalhes, confirma a decisão do Parlamento de Paris sobre a convocação dos Estados Gerais, igualmente sem se pronunciar sobre a forma de voto.

1789

24 de janeiro – Regulamento real para as eleições aos Estados Gerais: são votantes os homens a partir de 25 anos de idade e, no caso do Terceiro Estado, que pagam impostos diretos; as eleições se dão nos quadros das bailliages e sénéchaussées (distritos com formas de administração particulares); a nobreza e o clero elegem diretamente seus representantes locais; já o Terceiro Estado tem eleições em dois graus no campo, em assembleias de paróquia e depois de bailliage ou de sénéchaussée, e, nas cidades, em três graus, um deles sendo a assembleia da corporação, para artesãos e comerciantes.

Cada assembleia deve redigir um “caderno” de reivindicações a serem defendidas pelos eleitos (No processo eleitoral serão redigidos mais de 50 mil cadernos).

Durante as eleições, grande agitação social:

O príncipe de Condé, figura eminente da nobreza conservadora, se vê obrigado a abandonar seu palácio de Chantilly, onde dois guardas são mortos.

Em Marselha, três fortins são tomados de assalto pelo povo, sendo morto o comandante de um deles.

A repressão ao saque da fábrica Réveillon em 1789
“Fusillade au fauxbourg St Antoine”: repressão ao protesto dos trabalhadores.

No bairro fabril de Saint-Antoine (Paris) duas fábricas são cercadas por trabalhadores, em protesto contra seus donos, que propunham o rebaixamento dos salários. A Guarda Francesa (milícia real de Paris), chamada a proteger uma das fábricas (a outra já havia sido invadida e saqueada), ergue uma barricada nas proximidades; mas a duquesa de Orleans, passando casualmente pelo local, manda abrir a barricada; segue-se o saque e incêndio da segunda fábrica. A Guarda Suíça e a cavalaria de guerra são enviadas para sufocar o tumulto e o fazem com grande rigor, que deixa mais de 300 mortos (o que é a maior mortandade do período pré-revolucionário).

Mas esse massacre é atribuído pelo povo exclusivamente ao Estado monárquico. As contradições entre a burguesia e os assalariados ainda não estão em primeiro plano.

5 de maio – Sessão de abertura dos Estados Gerais, com cerca de 1.150 representantes ao todo.

6 de maio – O Terceiro Estado não aceita se constituir em Assembleia particular e propõe a fusão das três ordens numa Assembleia única. A nobreza recusa; no clero se abre um conflito sobre a questão.

17 de junho – O Terceiro Estado se constitui em Assembleia Nacional e seus membros passam a denominar-se “comuns”, à inglesa.

19 de junho – Necker apresenta, no Conselho Real, um plano de reformas que inclui voto por cabeça nos Estados Gerais, igualdade ante a tributação, acesso de todos aos empregos públicos e poder do rei restrito à função executiva, com direito de veto.

Necker, que se sabe momentaneamente indispensável na corte, não tem medo de declarar abertamente sua adesão ao programa da maioria da burguesia revolucionária: a monarquia constitucional.

No mesmo dia, o clero vota sua fusão com o Terceiro Estado.

A nobreza endurece sua posição e, a seu pedido, o rei manda fechar as portas da grande sala de Assembleia dos Estados Gerais.

20 de junho – O Terceiro Estado, ao encontrar fechadas as portas da grande sala, dirige-se a uma sala de esportes (jeu de paume) próxima, desprovida de mobília. É proposto um juramento solene, de que os membros da Assembleia não se separem antes de votar uma nova Constituição. Todos juram, menos um deputado.

22 de junho – Cento e cinquenta deputados do clero e dois nobres se unem à Assembleia Nacional. Um dos dois nobres é o duque de Orleans (parente próximo do rei).

23 de junho – Sessão real dos Estados Gerais na grande sala. O rei aceita a instituição de liberdades individuais e de imprensa e que toda tributação passe a ser submetida à aprovação dos representantes do povo, mas condena a igualdade dos direitos e o sistema de votação por cabeça, intima as ordens a se reunir em separado e declara cassada a decisão do Terceiro Estado de 17 de junho (constituição em Assembleia Nacional).

Após a partida do rei, os representantes do Terceiro Estado rejeitam sua intimação (“A nação reunida não pode receber ordens”).

24 de junho – A maioria dos deputados do clero e 47 nobres se juntam à Assembleia Nacional.

Revolução Francesa (Fase ascendente, 24/6/1789-10/8/1792)

26 de junho – O rei envia ordens a regimentos de mercenários estrangeiros e a regimentos da guarda do exército francês de convergir para Paris.

27 de junho – E, para ganhar tempo, o rei se curva à nova relação de forças estabelecida em 24 de junho e propõe a seu “fiel clero” e sua “fiel nobreza” que passem a se reunir conjuntamente com o Terceiro Estado.

28 de junho – Os granadeiros de um regimento da guarda se recusam a obedecer às ordens de seus comandantes e são encarcerados na abadia de Saint-Germain des Prés.

30 de junho – Uma multidão cerca a abadia de Saint-Germain des Prés. A tropa que a protege se recusa a atirar e confraterniza com os manifestantes; os granadeiros são libertados.

9 de julho – A Assembleia Nacional proclama-se Assembleia Constituinte.

11 de julho – O rei demite Necker e constitui um ministério de combate à agitação.

12 de julho – A notícia da demissão de Necker chega a Paris e, no Palais-Royal, os clubes levantam preocupações com a movimentação militar. A cidade está cercada de tropas de linha (33 regimentos), trazidas das guarnições de fronteira, e o povo é tomado pelo temor de um golpe de Estado.

Choque entre o povo e um esquadrão de cavalaria (o Royal-Allemand) em Paris. Em seguida, as alfândegas internas que cercam a cidade são atacadas e várias são incendiadas, sem que as tropas próximas intervenham.

À noite, as lojas de armas são pilhadas pelo povo.

13 de julho – Os eleitores do Terceiro Estado de Paris afluem ao palácio municipal (hôtel de ville), onde é hasteada a bandeira vermelha, o sinal de alarme em caso de incêndio; reunidos em Assembleia, nomeiam um Comitê Permanente. É também formada uma milícia parisiense (de 48 mil homens); suas cores são o vermelho e o azul, cores de Paris.

Os guardas franceses aderem à Comuna de Paris e passam a se denominar “soldados da pátria”.

14 de julho – O povo invade o quartel Les Invalides (o comandante decide não resistir) e se apossa de 32 mil fuzis e 20 canhões.

Em seguida, uma delegação da Comuna vai à Bastilha pedir a seu governador que retire os canhões da fortaleza, vistos pelo povo como ameaça, e que forneça pólvora à milícia parisiense. A delegação é convidada a almoçar na fortaleza e os canhões são retirados das amuradas. Às 13h30 ocorre uma forte altercação entre a delegação municipal e o estado-maior da fortaleza; o povo ouve e grita que há traição; o governador manda baixar uma ponte levadiça e entram cerca de 200 populares na fortaleza (talvez mais que o aceitável pela guarda); a ponte levadiça é reerguida e os populares no pátio interno são alvejados com fogo de metralha; começa um tiroteio geral, que se prolonga enquanto membros da Comuna saem em busca de canhões, que chegam às 16 horas e passam a atirar contra as portas da Bastilha. A fortaleza se rende às 17h30.

No fim da jornada são libertados sete prisioneiros dos calabouços e contados cerca de cem mortos; o governador é morto e decapitado; em seu bolso é encontrada uma carta de apoio do preboste dos mercadores, que preside o Comitê Permanente da Comuna de Paris, o qual é imediatamente morto com um tiro de pistola; as cabeças de ambos são levadas em desfile pelas ruas de Paris, na ponta de piques.

Derrota decisiva da monarquia absolutista. O caminho da revolução está aberto

15 de julho – O rei anuncia a retirada dos exércitos de linha da área de Paris.

16 de julho – Jean-Sylvain Bailly, deputado do Terceiro Estado, de carreira acadêmica (astrônomo), é confirmado pelo rei no cargo de prefeito, para o qual fora eleito pela Comuna de Paris, e o marquês de La Fayette, tido como herói da Guerra de Independência americana (1776-1783), é nomeado para o comando da milícia da municipalidade, que é denominada Guarda Nacional.

17 de julho – O rei é recebido por La Fayette e Bailly no hôtel de ville, onde aceita as novas cores da nação, o vermelho, o azul e o branco, ficando esta última cor, distintiva da casa real, acrescentada às outras duas, da Comuna que tomara a Bastilha.

Começa a emigração de nobres para o território da Áustria.

De meados de julho até o início de agostoGrande peur, espécie de pânico coletivo na zona rural, impulsionado pelo acúmulo de pequenos incidentes de revolta camponesa, espalhados por todo o território da França.

É provável que se trate do vago temor da burguesia, que possuía muitas propriedades portadoras de direitos feudais e via sua situação se tornar insustentável. (Em agosto começam as pilhagens, agora reais, de castelos.)

22 de julho – O intendente real da Região Parisiense e seu sogro, acusados de corrupção, fogem da cidade, mas são capturados, trazidos de volta e decapitados pela multidão, que passeia suas cabeças pelas ruas na ponta de piques.

De fins de julho a meados de dezembro – Revolução municipal. Na maioria das cidades são criados um comitê permanente de cidadãos e uma milícia urbana, que passam a atuar ao lado e independentemente das instituições tradicionais da monarquia.

(A lei de 14 de dezembro da Assembleia Constituinte, sobre a organização dos governos municipais, encerrará esse movimento, exceto em algumas cidades mais conservadoras, como Lyon.)

3 de agosto – Discussão conflituosa na Assembleia Constituinte sobre as manifestações populares que dominam as ruas de Paris. O debate se prolonga noite adentro em torno de um plano de repressão, mas não há acordo.

Madrugada de 3 para 4 de agosto – Sem decisão sobre medidas repressivas, busca-se um modo de fortalecer o governo mediante um remanejamento do ministério que o torne mais homogêneo em relação à linha desejada por Necker. (Esta proposta será aceita pelo rei.)

4 de agosto (final da madrugada) – E, para apaziguar o povo, vota-se o “fim do feudalismo”, a saber: a igualdade fiscal de todos, a abolição de toda servidão pessoal e o resgate dos direitos feudais; ao que o clero acrescenta sua renúncia ao dízimo obrigatório. (Esta decisão o rei rejeitará.)

Note-se que os direitos feudais são sujeitos a resgate, e não abolidos.

Mesmo a burguesia revolucionária tinha enorme dificuldade em distinguir trabalho apropriado gratuitamente de trabalho pago (deficiência que se foi agravando depois). Os direitos feudais incidiam sobre trabalho gratuito de camponeses teoricamente livres no uso de terras teoricamente suas, porém gravadas de direitos alheios. Mas grande parte da burguesia da Assembleia Constituinte, que havia comprado tais direitos, perdera a capacidade de vê-los como violência feudal. Esta incapacidade vai reaparecer um pouco mais tarde, quando será debatida a abolição da escravatura nas colônias. E continuará aparecendo, na indistinção entre o trabalho que o salário paga e o trabalho que o salário não paga, até os dias de hoje.

18 de agosto – Expansão da Revolução Francesa para o exterior: o arcebispo de Liège (Países Baixos austríacos) é deposto pelo povo insurgido.

26 de agosto – Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão pela Assembleia Constituinte. O rei recusa sua sanção.

23 de setembro – O regimento de Flandres, um dos mais leais ao rei, é chamado a Versalhes.

1º de outubro – Chegada do regimento de Flandres a Versalhes. Banquete de recepção, no qual as cores da revolução são substituídas pela cor preta, da rainha, e pisoteadas.

3 de outubro – A notícia do banquete de Versalhes chega a Paris. Agitação no Palais-Royal.

Em Versalhes, a marcha das mulheres apresenta reivindicações ao presidente da Assembleia Nacional
Em Versalhes, a marcha das mulheres apresenta reivindicações ao presidente da Assembleia Nacional, Jean-Joseph Mounier.

5 de outubro – As mulheres do mercado central de Paris (Les Halles) afluem em massa ao hôtel de ville, e conseguem forçar a Guarda Nacional, com La Fayette à cabeça, a acompanhá-las até Versalhes. Lá chegadas, exigem a ida do rei a Paris, onde falta pão.

6 de outubro – Durante a madrugada, enquanto La Fayette dorme (o que lhe valerá o apelido de “Morfeu”), o palácio de Versalhes é invadido pelas mulheres, seguidas por uma parte da Guarda Nacional, e a família real é forçada a embarcar para Paris, onde chega à noite e se instala no palácio das Tulherias.

19 de outubro – Instalação da Assembleia Constituinte em Paris, próximo às Tulherias.

21 de outubro – A Assembleia Constituinte vota a aplicação da lei marcial contra tumultos.

É a resposta da burguesia à invasão do palácio de Versalhes pelas mulheres. Pela primeira vez há acordo sobre uma medida repressiva.

Início do afastamento da burguesia em relação ao povo miúdo

31 de outubro – A Córsega é atingida pelo movimento revolucionário, onde tem a adesão do tenente de artilharia Napoleão Bonaparte.

2 de novembro – Por proposição de Talleyrand, bispo de Autun, a Assembleia Constituinte vota o confisco dos bens do clero, que passará a ser sustentado pelo Estado.

3 de novembro – Férias definitivas dos Parlamentos, agora decretadas pela Assembleia Constituinte, que passa a preparar um novo Poder Judiciário, no quadro de uma monarquia constitucional.

14 de dezembro – Reorganização das municipalidades pela Assembleia Constituinte: as cidades são divididas em seções; cada uma elege, em assembleia, representantes que formam o conselho geral da comuna. Este nomeia o comandante da milícia municipal, formada por cidadãos voluntários.

1790

11 e 12 de janeiro – Criação, pelos revolucionários de Bruxelas, dos “Estados Unidos da Bélgica” (Países Baixos austríacos).

7 de fevereiro – Violentos motins em Lyon, onde é finalmente imposta a nova ordem municipal.

8 de março – A Assembleia Constituinte rejeita a abolição da escravatura nas colônias.

O escravismo colonial sustentava um terço do comércio exterior francês. Toda a burguesia o apoiava. Somente profissionais liberais humanitários e o povo miúdo das cidades, assim como camponeses pobres e assalariados rurais, eram contra a escravatura nas colônias.

15 de março – Instituição do regime de propriedade burguês. Fim do direito de primogenitura.

18 de março – Derrota dos revolucionários na Bélgica.

17 de abril – O assignat, nome do título emitido sobre bens confiscados ao clero, passa a ter curso legal como moeda.

O papel, que começara sua carreira como moeda lastreada em bens reais, passa a ser moeda fiduciária.

21 de maio – Reorganização da municipalidade de Paris, cujos 60 distritos são transformados em 48 seções.

12 de junho – Centralização das guardas nacionais criadas nas cidades durante o processo revolucionário. A Guarda Nacional centralizada passa a ter um comandante nomeado pelo governo. Só “cidadãos ativos” (pagantes de imposto direto) podem integrá-la. Mas são mantidos os “cidadãos passivos” já integrados nas unidades municipais.

19 de junho – Abolição da nobreza hereditária e de seus títulos e brasões. (Em 28 de fevereiro a nobreza já havia perdido o monopólio dos postos de oficial no exército e na marinha.)

12 de julho – Constituição civil do clero: os bispos e curas, pagos pelo Estado, devem ser eleitos por assembleias de departamento e de distrito, respectivamente. E devem jurar fidelidade à nação, à lei e ao rei.

Inicialmente, o clero aceita bem a medida, percebendo que a eleição dos prelados poderá fortalecer a Igreja Católica. As dificuldades da medida virão da oposição do papa.

14 de julho – Festa da Federação em Paris, em comemoração ao início da Revolução.

Cerca de 14 mil representações de toda a França e o povo de Paris no Campo de Marte. Missa celebrada por Talleyrand, cantos (Ça Ira), danças e banquetes. Juramento de fidelidade à nação por La Fayette e pelo rei; a rainha mostra o filho, em seus braços, à multidão, que aplaude, debaixo da chuva.

Para o povo miúdo, o rei passaria a ser uma figura decorativa e a França passaria a ser uma federação de comunas com grande autonomia. Outras cidades tiveram sua Festa da Federação em datas diferentes.

1º de agosto – Motim dos Granadeiros do Rei na cidade de Nancy. Os soldados querem o direito de participar dos clubes revolucionários.

6 de agosto – A Assembleia Constituinte declara que os envolvidos no motim são “traidores”, mas também que está pronta a ouvir suas queixas.

9 de agosto – A guarnição de Nancy recebe muito mal a declaração de 6 de agosto da Assembleia Constituinte, rejeita a autoridade dos oficiais (normalmente de origem nobre) e toma o controle da caixa do regimento, para garantir o pagamento de seu soldo.

16 de agosto – A Assembleia Constituinte decreta que os amotinados de Nancy cometeram “crime de lesa-nação” e que seja aplicado “um terror salutar” na cidade.

31 de agosto – Tropas de linha comandadas pelo marquês de Bouillé entram em Nancy após duros combates que fazem mais de 300 mortos. A liderança do movimento é presa; alguns líderes são enforcados, outros condenados às galés.

Primeiro choque direto da burguesia com sua base popular

2 de setembro – Tumultos em Paris com a chegada da notícia da repressão em Nancy. Jean-Paul Marat, do Clube dos Jacobinos, escreve, em seu jornal, L’Ami du Peuple, o artigo O Terrível Despertar.

3 de setembro – O marquês de Bouillé é felicitado pela Assembleia Constituinte e pelo rei.

4 de setembro – Demissão de Necker. Mas desta vez o povo reage com indiferença.

A burguesia revolucionária, que agora vive da emissão de assignats, não mais precisa dos serviços do banqueiro.

14 de setembro – Reforma da disciplina militar: penas duras, mas não mais decididas pelos oficiais, cuja arrogância vinha se tornando fonte de conflitos. Cada corpo de tropa deve constituir um conselho disciplinar, que decidirá sobre as punições cabíveis.

23 de novembro – Instauração de um imposto territorial.

26 de dezembro – Finalmente o rei sanciona a Constituição civil do clero (decidida em 12 de julho).

Mas já começa a resistência no alto clero, que a corte apoia.

1791

4 de janeiro – Decreto que distingue padres juramentados (que juram fidelidade à nova Constituição francesa) e padres refratários; estes estando sujeitos a punições.

Esta medida, que divide o baixo clero, em grande parte aderente ao movimento do Terceiro Estado, favorece a contrarrevolução nas províncias mais apegadas à Igreja tradicional. Mas a Assembleia Constituinte quer parecer “radical” contra o clero, para encobrir sua busca de uma acomodação com a corte.

18 de janeiro – É criada uma nova tropa de linha, a Gendarmeria Nacional, com 28 divisões, em substituição à maréchaussée. Os gendarmes (agora a pé e a cavalo), que devem saber ler e escrever, são recrutados pelos diretórios dos novos departamentos em que se divide a França.

18 de fevereiro – Abolição da maioria dos impostos indiretos.

Esta medida, que é um grande alívio para o povo, dá novo fôlego à Assembleia Legislativa.

24 de fevereiro – Talleyrand, que se demitira do bispado de Autun, sagra em Paris os primeiros bispos constitucionais.

2 de março – Supressão das corporações e instituição das patentes de invenção.

Os privilégios das corporações (usufruídos só pelos mestres e garantidos pelo rei) constituíam a sólida base “plebeia” da monarquia. O preboste dos mercadores não traíra a Comuna de Paris na jornada de 14 de julho de 1789 sem boas razões.

3 de março – Decreto que estabelece a fundição da prataria das igrejas para cunhar moeda.

10 de março – Bula Quod aliquantum, do papa Pio VI (1775-1799), condenando a Constituição civil do clero. A partir deste momento, os padres refratários punidos podem ser considerados “mártires”.

22 de maio – Primeira lei Le Chapelier, que retira de toda sociedade ou clube o direito de representar ou de fazer petições em nome dos cidadãos.

É uma medida dirigida, naquele momento, principalmente contra a agitação dos clubes. Noutra época será usada contra sindicatos operários.

14 de junho – Segunda lei Le Chapelier, que proíbe greves.

20 de junho – Fuga da família real durante a noite, enquanto dorme a guarda de La Fayette.

21 de junho – A família real é presa em Varennes, norte da França.

22 de junho – Agitação nos clubes de Paris com a notícia da tentativa de fuga do rei.

23 de junho – A Assembleia Constituinte “decide” que o rei foi sequestrado. O objetivo da medida é conter o povo, que depreda bustos de Luís XVI e exige a república.

25 de junho – Chegada a Paris do rei, em meio a cerrado cortejo de tropas, com a proibição de dirigir-lhe quer insultos quer aplausos.

15 de julho – A Assembleia Constituinte declara que o rei é inviolável, isto é, não pode ser julgado, e que somente o marquês de Bouillé é responsável por seu “sequestro”.

16 de julho – Cisão do Clube dos Jacobinos em torno da questão da fuga do rei. La Fayette e seus amigos, postos em minoria, se retiram do clube.

Maximilien Robespierre, até então defensor da legalidade constitucional em vigor, passa a defender a república no clube.

Nasce uma corrente burguesa republicana, sendo assim quebrada a unidade do movimento burguês

Acontece neste momento a adesão de uma parcela da burguesia, constituída em boa parte do que se poderia chamar de burguesia de serviços qualificados (advogados, professores, médicos, etc.) e do pequeno comércio ao republicanismo, já difundido, desde antes da fuga do rei, entre o povo miúdo.

Ao mesmo tempo, o movimento constitucionalista vai perdendo terreno, reduzindo-se gradualmente aos círculos ligados à nobreza mais conservadora, ao alto clero e à burguesia possuidora de “dignidades” (a nobreza de ofício, que inclui membros dos Parlamentos), mercadores ricos e mestres de corporações.

É de se notar que durante a Fronda de 1648-1653 a maior parte da burguesia reivindicara a república. Isso, sem dúvida, refletia a influência dos acontecimentos na Inglaterra (prisão do rei Charles em 1648, decapitado no ano seguinte, e regime republicano de 1649 a 1660). Mas a explicação mais profunda está no maior envolvimento da burguesia com a sustentação material da monarquia no século 18, quando um número enorme de burgueses abastados aplicava suas reservas monetárias no excelente negócio que era o financiamento do fisco real. Este recebia os tributos adiantadamente, em montantes pré-fixados, de cada sociedade privada (chamada ferme) possuidora de um monopólio de arrecadação; e cada ferme tinha atrás de si uma rede de financiadores desse adiantamento entre banqueiros e burgueses com dinheiro a fazer render.

17 de julho – O Clube dos Cordeliers, liderado por Jacques-René Hébert, cujo jornal, Le Père Duchesne, centraliza os enragés ou ultrarrevolucionários, junto com sociedades “fraternais” revolucionárias, convoca o povo a uma manifestação no Campo de Marte contra a recondução de Luís XVI à chefia do Estado; afluem cerca de 5 mil pessoas. A Assembleia Constituinte ordena a dissolução da manifestação e Bailly, presidente da Comuna, manda La Fayette cumprir a ordem; a Guarda Nacional atira e faz cerca de 50 mortos. O fato passa a ser lembrado como o massacre do Campo de Marte.

Rompimento definitivo da burguesia constitucionalista com o movimento popular

A partir deste momento a recém-constituída burguesia republicana (agora dominante no Clube dos Jacobinos) reaproxima-se do povo miúdo; os constitucionalistas (centralizados principalmente pelo Clube dos Feuillants) passam a buscar um acordo com a corte contra o movimento popular.

3 de setembro – Proclamação da nova Constituição (tendo como preâmbulo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada em 26 de agosto de 1789, com ligeiras modificações):

Monarquia constitucional unicameral. Sufrágio masculino censitário, sendo votantes os que passam a ser denominados “cidadãos ativos”, pagantes de imposto direto anual correspondente a 3 dias de trabalho ou mais, com exceção dos empregados domésticos (incluídos na categoria de clientela da nobreza); para ser elegível é necessário ser pagante de um marco de prata de imposto anual; todos os cidadãos ativos podem eleger as autoridades municipais, mas para eleger os representantes à Assembleia Nacional Legislativa é necessário pagar imposto correspondente a 10 dias de trabalho. Eleições à Assembleia a cada dois anos; rei inamovível e inviolável, com direito de veto suspensivo por duas legislaturas.

É o apego (também material) da maioria da Constituinte à monarquia que está por trás da pouco sensata cláusula que dá poder de veto suspensivo por duas legislaturas ao rei, apesar da resistência encarniçada deste à partilha do poder com a representação burguesa, o que paralisará o futuro governo e acelerará sua ruína.

Após a proclamação, a Constituinte se dissolve, nenhum de seus membros podendo candidatar-se a deputado do futuro Poder Legislativo.

A ausência de ex-membros da Constituinte entre as candidaturas faz desaparecer do processo eleitoral os repressores do Campo de Marte. E as expectativas em relação ao novo Poder colocam a iniciativa política das mãos da burguesia.

1º de outubro – Sessão inaugural da Assembleia Legislativa eleita segundo a nova Constituição (745 deputados: 250 do Clube dos Feuillants, constitucionalista moderado, 136 jacobinos, majoritariamente republicanos, o resto “sem clube”).

Em seguida: La Fayette, ante uma onda de reprovação popular ao massacre do Campo de Marte (e a recusa da Assembleia Legislativa recém-instalada em se responsabilizar pela ordem de repressão), demite-se do comando da Guarda Nacional e se retira para suas terras.

14 de dezembro – Luís XVI envia um ultimato ao eleitor (do Império) de Trier (Renânia), exigindo o fim das reuniões de nobres emigrados naquelas terras. (A guerra com a Áustria, sede do Império, só não sai porque o eleitor de Trier aceita a exigência francesa em 21 de dezembro.)

31 de dezembro – Anistia dos condenados às galés pela revolta de Nancy (de 9 de agosto de 1790).

Gesto simbólico da burguesia constitucionalista, majoritária na Assembleia Legislativa em início de mandato, que busca se reconciliar com o povo. Mas fazê-lo engolir o rei fujão já não é mais possível.

1792

9 de fevereiro – A carestia leva ao saque de armazéns. Sob pressão, a Assembleia Legislativa vota o confisco dos bens dos nobres emigrados. Mas é rejeitada a proposta de abolição dos direitos feudais sem resgate.

15 de março – Demissão do ministério feuillant, por sua incapacidade de conter o movimento popular. Será substituído (em 23 de março) por uma ala dos Jacobinos que passará a ser conhecida como Gironda, nome da província de origem de seus membros mais conhecidos. É uma ala patriótica agressiva, que incita à guerra contra a Áustria, o que abre caminho a novas manobras da corte.

16 de março – Assassinato de Gustavo III da Suécia, feroz opositor da Revolução Francesa, fato que arrefece temporariamente as articulações contrarrevolucionárias das monarquias europeias.

20 de abril – Mas o rei declara guerra à Áustria, apoiado no belicismo do novo ministério girondino, a pretexto da atividade da nobreza emigrada no Império.

É a última cartada da corte e da ala mais conservadora da Assembleia Legislativa, agora contando com uma invasão austríaca para “libertar” Luís XVI e esmagar a Revolução.

La Fayette é chamado de seu retiro para comandar a defesa no norte da França.

1ª quinzena de maio – Numerosos regimentos das tropas de linha, mercenárias ou recrutadas segundo o sistema do Antigo Regime (soldados profissionais), passam para o inimigo.

18 de maio – La Fayette e mais dois generais decidem suspender unilateralmente as hostilidades.

20 de maio – Grande manifestação do povo de Paris contra o que chama de “comitê austríaco” da Assembleia Legislativa, responsável pela nomeação dos generais constitucionalistas vacilantes. O temor de um desastre militar leva a burguesia, onde cresce a tendência republicana – que já inclui a maioria dos girondinos – a unir-se ao movimento popular.

O povo miúdo retoma a iniciativa no movimento revolucionário

15 de junho – Ao perceber que os girondinos do Clube dos Jacobinos também foram arrastados ao republicanismo, o rei volta a nomear um ministério feuillant, aproveitando-se do descrédito do governo.

16 de junho – Nova suspensão unilateral das hostilidades.

Carta de La Fayette à Assembleia Legislativa denunciando o Clube dos Jacobinos, como gerador de “tensões” em Paris, que desmoralizariam as tropas na frente de guerra. Chamado a Paris para se explicar, é mal recebido pela maioria dos deputados e pela corte, que não perdoa o “Morfeu” do outubro de Versalhes, e apenas consegue ser reenviado à fronteira.

11 de julho – Os austríacos (aliados aos prussianos) penetram em território francês. A Assembleia Legislativa proclama “a pátria em perigo” e estabelece uma conscrição militar por sorteio.

15 a 17 de julho – A suspensão do rei é exigida no Clube dos Jacobinos e no Clube dos Cordeliers.

26 de julho – Lideranças republicanas dos clubes de Paris se reúnem entre as ruínas da Bastilha para formar um diretório comum, com vistas à revolta contra a liderança monarquista da Assembleia Legislativa.

27 e 28 de julho – Todas as seções de Paris, exceto uma, exigem a suspensão do rei.

30 de julho – A Assembleia Legislativa decide que cidadãos passivos podem integrar a Guarda Nacional.

Chegada a Paris do batalhão dos federados (voluntários de comunas revolucionárias) de Marselha, ao som de seu “canto de guerra do exército do Reno”, que se tornará o hino nacional da França.

4 de agosto – A seção dos Quinze-Vingt (que inclui o bairro operário de Saint-Antoine) lança um ultimato à Assembleia Legislativa, para que, até 10 de agosto, decida a suspensão do rei.
Espalhada a notícia do ultimato, nobres armados e um corpo de guardas suíços se instalam no palácio das Tulherias.

9 de agosto – As seções de Paris se reúnem para designar comissários, a serem enviados ao Conselho Geral da Comuna com a missão de persuadir seus membros hesitantes ou nomear substitutos aos que forem julgados excessivamente conservadores.

Os comissários estabelecem um poder insurrecional. O presidente do Conselho, Jérôme Pétion (moderado), aceita retirar-se.

10 de agosto – Ataque ao palácio das Tulherias, cujos acessos haviam sido desertados pela Guarda Nacional. Enquanto o rei e sua família fogem para a Assembleia Legislativa, violenta batalha é travada no palácio, que resulta em cerca de mil mortos, entre populares, guardas do rei e membros da nobreza.

À tarde, o presidente da Comuna Insurrecional se apresenta na Assembleia Legislativa (de onde já fugira a ala mais conservadora) para ditar as exigências do povo de Paris: suspensão do rei e convocação de uma Convenção Nacional.

Os membros presentes da Assembleia se curvam ante a força da revolta popular e suspendem o rei.

Fase de desenvolvimento prático da Revolução (10/8/1792-27/7/1794[9 termidor, ano II])

A burguesia se cinde definitivamente.

A maioria, representada pelos que se curvaram ante a Comuna Insurrecional, adere ao movimento popular para salvar-se do desastre militar, e se torna republicana.

A minoria, representada pelos que fugiram da Assembleia Legislativa assediada pelo povo, logo se subdivide: uma parte, que se reduz cada vez mais, tenta continuar, junto com aliados ainda presentes no aparelho de Estado, a luta pela monarquia constitucional; outra parte, que cresce com a radicalização do movimento revolucionário, começa a retroceder para o apoio à reação monárquica, movida pelo temor ao movimento popular.

E o movimento revolucionário, agora inteiramente republicano, passa a ser centralizado pelo Clube dos Jacobinos, onde a Gironda, corrente majoritária na Assembleia Legislativa reduzida, tem grande influência.

11 de agosto – A Assembleia Legislativa, reduzida devido à deserção de parte dos deputados, nomeia um Conselho Executivo composto por cinco ministros não-deputados, todos girondinos, exceto um, o eloquente advogado Georges Jacques Danton (mas fortemente ligado a eles), e define o processo eleitoral para a Convenção Nacional proposta pela Comuna: sufrágio universal masculino a partir de 21 anos, sendo mantida a exclusão dos empregados domésticos; elegibilidade a partir dos 25 anos; eleição em dois graus (as assembleias primárias elegendo assembleias de eleitores).

A partir deste momento, há forte afluxo de populares, anteriormente classificados como “cidadãos passivos”, nos clubes revolucionários, o que aumenta a influência das lideranças mais radicais.

14 de agosto – A Assembleia Legislativa reduzida decide a partilha gratuita das terras comunais, divididas em pequenos lotes, e passa a encaminhar efetivamente a venda das terras dos nobres emigrados.

Em Sedan, na frente de guerra, La Fayette tenta fazer o exército se voltar contra Paris, mas não é seguido. (No dia 19 ele se entregará aos austríacos, que o colocarão na prisão.)

19 de agosto – Pedido de expurgo de sócios no Clube dos Jacobinos, cuja dinâmica vem sendo ditada pela multidão de populares recém-entrados. (Pedido vão neste momento de pico do movimento revolucionário.)

1ª quinzena de setembro – As prisões de numerosas cidades da França são invadidas por populares incitados pelas correntes mais radicais dos clubes revolucionários (Hébert, Marat e outros), onde são executados os presos políticos monarquistas (na dúvida, morrem muitos presos de direito comum); tais acontecimentos são conhecidos como “massacres de setembro” (mais de mil mortos).

Generaliza-se o uso do apelativo “citoyen”, em lugar de “monsieur”.

25 de agosto – Finalmente, abolição dos direitos feudais, sem resgate.

Mas para isso, primeiro foi preciso que o povo miúdo forçasse a criação da Comuna Insurrecional e esta pusesse em fuga os monarquistas da Assembleia Legislativa.

14 de setembro – O ex-duque de Orleans, o primeiro nobre importante que aderira à Revolução e que a corte tivera como inimigo número 1, muda seu nome para Filipe Égalité.

19 de setembro – Pierre-Victurnien Vergniaud, líder girondino, faz a Assembleia Legislativa reduzida cassar a Comuna Insurrecional instituída em 9 de agosto de 1792. Pétion é restabelecido na presidência do Conselho Geral da Comuna de Paris.

Início de uma ofensiva da burguesia republicana contra o movimento popular

A Convenção se afasta do movimento popular, que é desamparado pelo Clube dos Jacobinos, onde a influência dos girondinos atinge seu pico.

20 de setembro – Batalha de Valmy. Vitória francesa e virada na guerra contra Áustria e Prússia.

21 de setembro – Reunião inaugural da Convenção: 749 deputados. Os deputados mais representativos da liderança revolucionária, a maioria proveniente do Clube dos Jacobinos e do Clube dos Cordeliers, se dividem em cerca de 200 girondinos e uma centena de “montanheses”; os restantes formam a “planície” (ou “pântano”).

A monarquia é oficialmente abolida. (A Assembleia Legislativa reduzida já havia jurado “ódio eterno à realeza” em 4 de setembro.)

22 de setembro – Esta data é proclamada primeiro dia do ano I da República, que terá um novo calendário, com semanas (chamadas “décadas”) de dez dias (o que desagradará a muitos assalariados). Mas só entrará oficialmente em vigor a partir de 6 de outubro de 1793.

10 de outubro – Exclusão, no Clube dos Jacobinos, de Jacques-Pierre Brissot, que luta pela supressão das instituições criadas espontaneamente pelo movimento popular, com o apoio de sua corrente, a Gironda. Os membros desta corrente começam a abandonar o clube.

Início do conflito interno da burguesia republicana

O Clube dos Jacobinos, inflado pela grande entrada de populares ex-cidadãos passivos, dilacera-se entre conter o movimento popular e defender-se da reação monárquica, que se rearticula.

21 de outubro – O general Adam-Philippe, conde de Custine (que se aliara ao Terceiro Estado no início da Revolução, em 1789), derrota os prussianos em Mogúncia (na Renânia) e entra na cidade, onde os franceses são acolhidos pela “Sociedade dos Amigos Alemães da Liberdade”.

27 de outubro – Invasão da Bélgica pelo general Charles-François Dumouriez, pertencente ao Clube dos Jacobinos, e de tendência girondina.

6 de novembro – Batalha de Jemmapes. Grande vitória de Dumouriez, com a participação brilhante de Luís Filipe, duque de Chartres, filho de Filipe Égalité. As potências absolutistas são colocadas na defensiva.

Em seguida, em 14 de novembro, as forças francesas entram em Bruxelas.

19 de novembro – Decreto de “fraternidade e socorro” a todos os povos que queiram se libertar do regime monárquico.

7 de dezembro – Na Bélgica, manifestações pela independência. Dumouriez, que comanda o exército de ocupação, é a favor, apesar de suas ligações com os girondinos.

15 de dezembro – “Decreto Terrível” do ministério girondino, que decide a anexação da Bélgica, exigida por Danton e pelos girondinos, em nome das “fronteiras naturais” da França (o Reno, os Alpes e os Pirineus).

A recusa da autodeterminação ao povo belga, que em outubro de 1789 se revoltara contra a Áustria, é o primeiro golpe da burguesia republicana contra o movimento revolucionário europeu.

E a anexação da Bélgica, além de ameaçar a Holanda republicana, decepciona os simpatizantes da Revolução Francesa na Inglaterra, e abre caminho à guerra desejada pelo Parlamento do conservador William Pitt (o Jovem).

1793

21 de janeiro – Luís XVI é guilhotinado (após decisão tomada por pequena margem de votos).

22 de janeiro – Demissão de Jean-Marie Roland de la Platière, ministro girondino do interior, que votara contra a morte do rei.

1º de fevereiro – A Convenção declara guerra à Inglaterra e à Holanda, a pretexto de sua retirada de embaixadores em protesto pela execução de Luís XVI.

Os belicistas da Convenção dão de presente ao Parlamento inglês e ao stadhouder da Holanda um poder de mobilização popular contra a França revolucionária.

17 de fevereiro – Dumouriez invade a Holanda.

23 de fevereiro – Decreto decidindo a eleição dos oficiais no exército, exceto para os cargos de cabo, coronel e general.

Decisão importante, que coloca o principal elemento do Estado sob a influência do povo. Por isso só é aceitável pela burguesia em situação de extrema fraqueza ante o movimento popular, já que, além de dificultar o uso do exército como força repressiva interna, é um obstáculo à política guerreira externa.

23 e 24 de fevereiro – Recrutamento em massa para a guerra, necessidade criada pela política de expansão territorial do “Decreto Terrível” de 15 de dezembro de 1792.

10 de março – Situação de grande perigo na Holanda, ante o avanço conjunto de prussianos e austríacos, em ofensiva desde o início de março.

Violentos tumultos em Paris contra os girondinos, com empastelamento das casas impressoras que lhes prestam serviços.

Criação de comitês revolucionários de vigilância, que começam a se espalhar por outras comunas.

Início de novo ascenso do movimento popular

Mas, desta vez, a política externa belicista dos girondinos, que consome recursos desesperadamente escassos e exige mais tropas, cujo recrutamento agrava as dificuldades dos camponeses, gerará também, pela primeira vez, uma reação popular contra a Convenção na área rural.

No mesmo dia – Criação do Tribunal Revolucionário de Paris.

11 de março – Revolta na Vendeia (oeste da França) contra o recrutamento em massa.

Na periferia do país, começa uma reação popular à política contraditória e autoritária da burguesia republicana

12 de março – Dumouriez, tendo recebido de enviados da Convenção a ordem de retirar-se da Holanda, deixa ali parte de suas tropas e escreve carta à Convenção, em que acusa os enviados e a política do ministério em relação aos belgas de todas as suas dificuldades na frente de guerra.

18 de março – Batalha de Neerwinden. Derrota fragorosa de Dumouriez na Bélgica. Retirada francesa em desordem.

Abre-se um período de grandes derrotas no exterior, que radicalizam o movimento popular e gerarão novas divisões internas da burguesia.

A Convenção vota a pena de morte contra os partageux (partidários da partilha igualitária das terras) e contra todos os que atentarem contra a propriedade.

Mais que a proibição, é a pena de morte que evidencia os princípios políticos fundamentais dos membros da Convenção: propriedade e nação.

21 de março – Legalização dos comitês revolucionários de vigilância criados pelo povo em 10 de março.

A Convenção é arrastada pela nova ofensiva revolucionária do povo miúdo.

Início de abril – Os revoltosos da Vendeia organizam um “Exército Católico e Real”.

(A revolta assume agora o caráter de guerra civil, que se prolongará, com grandes massacres, até o começo de 1794.)

3 de abril – Deserção de Dumouriez, que prende os representantes da Convenção enviados para demiti-lo e os entrega ao inimigo.

Acusado de cumplicidade com Dumouriez, Filipe Égalité (seu filho, o duque de Chartres, desertara com Dumouriez) é preso. (Ele é executado no dia 5.)

Rompimento da burguesia republicana com o segmento da nobreza que se integrara à Revolução

Rompimento desnecessário para a república burguesa. Filipe Égalité, membro do Clube dos Jacobinos e deputado da Convenção, que era investidor imobiliário em Paris, tornara-se tão republicano quanto os girondinos.

6 de abril – A Convenção cria um Comitê da Salvação Pública, com nove membros.

A concentração de poder nas mãos de um comitê extraordinário é o primeiro passo do processo que levará à ditadura.

11 de abril – O assignat, que já perdera 43% de seu poder de compra, passa a ter curso forçado.

Medida em parte redundante, em parte inútil. O povo já aceitava o assignat, que só não era tão bom quanto a velha moeda de cobre, também fiduciária, devido à escassez causada pela guerra; e a burguesia abastada, que detinha os estoques de moeda de metal precioso, continuou servindo-se do assignat principalmente para especular.

4 de maio – Primeira lei que define um preço máximo para o trigo.

16 de maio – Os girondinos forçam a Convenção a criar a Comissão dos Doze, encarregada de fazer uma investigação sobre a legalidade dos atos da Comuna de Paris.

Acirra-se o conflito entre o Clube dos Jacobinos e os girondinos que o abandonaram, estes organizando o ataque contra a base popular jacobina.

24 de maio – A Comissão dos Doze faz prender dois cordeliers, entre os quais Hébert.

O conflito entre os jacobinos e a maioria girondina da Convenção se acirra.

26 de maio – Violento discurso de Robespierre e Marat no Clube dos Jacobinos contra a repressão girondina (“O povo deve se insurgir!”).

27 de maio – Dissolução da Comissão dos Doze na Convenção, com a ausência dos deputados girondinos.

Os cordeliers presos no dia 24 são libertados.

31 de maio – A Comuna de Paris cria um Comitê Insurrecional contra os girondinos, cuja liderança a atacava, reclamando o fechamento do Clube dos Jacobinos. No dia seguinte faz cercar a Convenção, mas não há luta.

2 de junho – Golpe da Montanha na Convenção. 32 deputados girondinos são proscritos, 29 são presos.

Crise da burguesia republicana

Uma parte da liderança burguesa passa a conspirar pela derrubada da Convenção e pelo encerramento da Revolução; outra parte se une ao povo miúdo.

Mas se esta última parte acompanha o movimento popular é apenas porque não vê alternativa melhor para evitar o esmagamento da Revolução, ameaçada pela revolta da Vendeia e pela sequência de derrotas na frente externa. (Esta cisão levará ao assassinato de Marat em 13 de julho por Marie-Anne-Charlotte Corday, que é republicana.)

Inicia-se a ditadura da facção jacobina de Robespierre, fase na qual predomina a liderança pequeno-burguesa no processo revolucionário.

6 de junho – Revoltas antijacobinas em Marselha, Toulouse e Nîmes, todas no sul. (Bordeaux, na costa sudoeste, se revolta no dia seguinte.)

Reação contrarrevolucionária e radicalização da Revolução se enfrentam em guerra civil

24 de junho – A Convenção vota a nova Constituição.

Trata-se da Convenção da qual os girondinos foram expulsos, o que explica o caráter radical da Constituição proposta. Mas esta ainda deve ser ratificada por voto popular.

12 de julho – Revolta de Toulon (porto militar no Mediterrâneo) contra a Convenção. (A cidade se entregará aos ingleses em 27 de agosto e só será retomada em 19 de dezembro [29 frimário, ano II].)

31 de julho – Demonetização dos assignats antigos “de cara real” (com a efígie de Luís XVI), que só podem ser usados para pagar impostos.

Mas no câmbio paralelo, onde a especulação continua, os assignats de cara real valem cerca de cinco vezes mais que os novos.

4 de agosto – A nova Constituição é ratificada, em meio à guerra civil, por 1,8 milhão de “sims”, 17 mil “nãos” e 4 milhões de abstenções. Tais números não incluem algumas assembleias primárias que só votaram mais tarde, mas foram considerados suficientes para dá-la por ratificada. No entanto, o Comitê de Salvação Pública, já ditatorial desde o golpe de 2 de junho de 1793 na Convenção, impede sua entrada em vigor.

Ela proclamava o direito de rebelião como liberdade fundamental e exigia que toda lei só entrasse em vigor após aprovação pela maioria das assembleias primárias.

Nenhuma fração da burguesia jamais apoiou esta Constituição, que tinha como pressuposto a instauração de uma república igualitária de pequenos proprietários, só desejada pelo povo miúdo. Na realidade, era e continua sendo incompatível com qualquer sociedade de classes.

6 de agosto – Revolta de Lyon contra a Convenção. (Retomada em 9 de outubro [18 vendemiário, ano II], a cidade será praticamente arrasada.)

23 de agosto – Robespierre, presidente da Convenção desde a véspera, decreta a conscrição militar universal obrigatória.

6 de outubro [15 vendemiário, ano II] – Entra em vigor o novo calendário. (Até 1805 [ano XIV].)

29 de outubro [8 brumário, ano II] – Abolição da escravatura em São Domingos (Haiti) pelo enviado da Convenção, que, acuado pelos colonos reacionários, se posiciona do lado dos escravos revoltados.

6 de novembro [16 brumário, ano II] – Decreto facultando às comunas o direito de suprimir as instituições religiosas que “desagradem” aos revolucionários.

Este decreto desencadeia um movimento municipal de descristianização, com fechamento e pilhagem de igrejas, que se prolonga até o fim do mês.

10 de novembro [20 brumário, ano II] – Cerimônia da Liberdade e da Razão na Catedral de Notre Dame.

Moças celebrantes vestidas de branco e catedral lotada para venerar os “heróis da liberdade e da razão” (Voltaire, Rousseau, etc.), em substituição aos santos.

O culto da Razão é um ritual ateu criado para ocupar o lugar do ritual cristão, impulsionado principalmente pelos hebertistas do Clube dos Cordeliers. Mas a corrente principal do Clube dos Jacobinos, liderada por Robespierre, é a favor da instauração do culto de um “Ente Supremo”, aplicação prática do deísmo de Voltaire, que era descrente, mas, por um lado, considerava que a eliminação da ideia de Deus poderia fazer o povo abandonar o cultivo da virtude e, por outro, odiava a religião do clero católico, contra o qual exclamou: “Écrasez l’infâme!

16 de novembro [26 brumário, ano II] – Batalha de Wattignies. Vitória do general Mathieu Jouve (conhecido como Jourdan) sobre os austríacos, no norte. Outra vitória, do general Lazare Hoche na Alsácia (Batalha de Geisberg), em 29 de novembro [6 nivoso, ano II], encerra o período de derrotas da Convenção na guerra.

29 de novembro [9 nivoso, ano II] – Lei do preço máximo para artigos de primeira necessidade (40 listados) e para os salários.

1794

4 de fevereiro [16 pluvioso, ano II] – Abolição da escravatura nas colônias.

Enfim a conquista já realizada pelos escravos de São Domingos em 29 de outubro de 1793 [8 brumário, ano II] é aprovada na Convenção, o que só foi possível após a queda dos girondinos, que, dirigidos por Brissot, bloquearam a discussão do assunto na Assembleia Legislativa e na Convenção.

Última medida revolucionária realizada pela Convenção

A abolição da escravatura nas colônias era um avanço possível para a burguesia de então, mesmo naquele momento de indústria fabril incipiente. O Haiti governado pelo ex-escravo Toussaint Louverture estava mostrando ser economicamente viável, o que seria também vantajoso para o comércio francês.

13 de março [23 ventoso, ano II] – Prisão de Hébert. (Ele e os líderes de sua facção são executados em 24 de março [4 germinal, ano II].)

Cisão do movimento popular

A ala mais burguesa do movimento revolucionário, contrária ao programa popular da república igualitária e sentindo-se ameaçada pela radicalização do povo miúdo, esmaga a ala mais propriamente pequeno-burguesa.

A partir deste momento, isolamento crescente da direção jacobina em relação ao movimento popular, o que abrirá caminho ao contragolpe dos partidários do encerramento da Revolução.

30 de março [10 germinal, ano II] – Prisão de Danton e abertura de processo contra seus seguidores, a facção dita “indulgente” da Montanha. (Serão executados em 5 de abril [16 germinal].)

Danton, que se opunha ao movimento de descristianização da França, é o último líder importante a criar obstáculos ao programa robespierrista, que busca uma linha mediana entre a defesa da propriedade burguesa e a utopia igualitarista pequeno-burguesa, linha que Robespierre pretende assentar sobre o culto do Ente Supremo. Mas Danton é também a última ligação de Robespierre com os republicanos que defendem a propriedade burguesa, como ele, mas querem encerrar a Revolução para usufruir de sua nova posição social, alcançada após a expropriação da nobreza.

18 de maio [29 floreal, ano II] – O Comitê de Salvação Pública se arroga o direito de enviar deputados a julgamento ante o Tribunal Revolucionário, o que antes só a Convenção podia fazer.
Início da ditadura de Robespierre.

8 de junho [20 prairial, ano II] – Grande cerimônia oficial de adoração do Ente Supremo. Procissão das Tulherias ao Campo de Marte, onde ocorre o culto. Apoteose de Robespierre, que, em traje azul, preside o evento.

10 de junho [22 prairial, ano II] – São suprimidas as garantias contra os presos políticos.

Início oficial do Grande Terror.

26 de junho [8 messidor, ano II] – Batalha de Fleurus, na frente norte. Vitória de Jourdan, que abre o período de predomínio dos exércitos da Revolução na Europa. (Mas esta primeira guerra só terminará em 1797, com o tratado de Campofórmio, após uma série de vitórias de Napoleão Bonaparte.)

A vitória de Fleurus (que veio após a derrota da Vendeia e das revoltas antijacobinas nas cidades) alivia o povo francês da ameaça de retorno do absolutismo e faz diminuir a aceitação do Terror como forma extrema de mobilização nacional e defesa contra os inimigos internos.

A execução de Robespierre, pintura de autor desconhecido.
A execução de Robespierre.

27 de julho [9 termidor, ano II] – Queda de Robespierre. (É guilhotinado no dia seguinte, com mais 21 membros do governo.)

O golpe é dado por membros do próprio Clube dos Jacobinos, que se aproveitam do isolamento crescente de Robespierre em relação ao movimento popular para encerrar o processo revolucionário.

Fase de declínio da Revolução (27/7[9 termidor, ano II]-9/11/1799[18 brumário, ano VIII)

A facção burguesa vencedora do golpe no Clube dos Jacobinos instaura o regime do Diretório, forma de governo mais uma vez baseada no voto censitário. Não havia outro regime republicano possível para a burguesia naquele momento de seu desenvolvimento como classe dominante. O sufrágio universal só se tornará viável no modo de produção burguês mais tarde, quando estará consolidado o mercado de trabalho da indústria capitalista e os trabalhadores passarão a reivindicar (do Estado burguês) emprego mais do que liberdade.

(O Diretório será substituído pelo Consulado, instaurado pelo golpe de Estado de Napoleão Bonaparte em 9 de novembro de 1799 [18 brumário, ano VIII].)

Napoleão levará o declínio do processo revolucionário à sua conclusão e a um retrocesso parcial, com a instauração do Império (18 de maio de 1804 [28 floreal, ano XII] e a derrota militar que levará à restauração da monarquia absolutista após a batalha de Waterloo (18 de junho de 1815). Derrota que é a consequência última do expansionismo territorial iniciado pelos girondinos na Convenção (com o “Decreto Terrível” de 15 de dezembro de 1792).

Mas o declínio diz respeito exclusivamente ao processo revolucionário, não à nova forma burguesa de propriedade nem à nação burguesa.

Marcos do processo revolucionário

16 de julho de 1787 – Choque do Parlamento de Paris com o rei.

Início de um movimento constitucionalista liderado pelo Parlamento de Paris (inspirado na Revolução Inglesa de 1640-1649).

7 de agosto – Os membros do Parlamento de Paris são aclamados como “pais do povo”.

Entrada do povo miúdo na luta contra o absolutismo monárquico, sob a liderança do Parlamento de Paris e da nobreza de ofício das províncias.

24 de junho de 1789 – O Terceiro Estado impõe a união das três ordens.

Tomada da direção do movimento constitucionalista pela burguesia de negócios.

14 de julho – Queda da Bastilha.

Passagem do povo miúdo ao primeiro plano da cena política com sua vitória sobre o poder monárquico.

17 de julho de 1791 – Massacre do Campo de Marte.

Rompimento definitivo da burguesia constitucionalista com o movimento popular.

A burguesia sofre uma cisão: separa-se uma corrente republicana, que se apoia no povo miúdo; e os constitucionalistas se aproximam ainda mais da corte, ao perceberem que a monarquia constitucional precisa ser imposta contra o povo.

10 de agosto de 1792 – Tomada das Tulherias pela Comuna Insurrecional de Paris.

Ponto culminante do processo revolucionário e fim de sua fase ascensional.

Derrota decisiva dos constitucionalistas ante o movimento popular.

Cisão da burguesia entre os que insistem em algum tipo de composição com a corte ou começam a retroceder para o absolutismo monárquico e os que aderem ao regime republicano.

A liderança do processo revolucionário cai nas mãos da corrente girondina do Clube dos Jacobinos. Mas o povo miúdo passa a desenvolver uma dinâmica própria.

A partir deste momento, a Revolução apenas realiza as tarefas práticas necessárias à consolidação das novas relações sociais burguesas, em meio a conflitos crescentes.

10 de março de 1793 – Mobilização antigirondina e criação de comitês de vigilância popular.

Retomada da iniciativa do povo miúdo no processo revolucionário, que, em seguida, arrasta a maioria do Clube dos Jacobinos.

2 de junho – Golpe jacobino na Convenção. Queda da Gironda.

Crise da burguesia republicana, pressionada pela mobilização do povo auto-organizado.

A ala expulsa do poder se reaglutina em torno do programa da república censitária; a ala vitoriosa une-se ao movimento popular, principalmente para evitar a derrota da Revolução.

A consequência imediata desta crise é a guerra civil.

13 de março de 1794 [23 ventoso, ano II] – Prisão de Hébert.

Cisão do movimento revolucionário entre a ala defensora da propriedade burguesa e a ala radical igualitarista.

A repressão da ala radical da Revolução abre um processo de isolamento crescente da ditadura jacobina.

27 de julho[9 termidor, ano II] – Derrubada de Robespierre.

Retorno ao poder da ala burguesa favorável à república censitária.

A Revolução é encerrada.


Este artigo de Vito Letizia foi concluído em 31 de março de 2008.

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