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Vito Letizia no ‘Seminário das Quartas’

Em 26 de outubro de 2011, Vito Letizia deu uma de suas últimas palestras, como convidado do “Seminário das Quartas”, organizado pelo filósofo Paulo Arantes, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), O encontro daquela semana teve como tema “a crise do capitalismo”. Publicamos aqui a transcrição da palestra e do debate que se seguiu:


Montagem. Vito Letizia em 2008 e Paulo Arantes em 2016

Apresentador – Vito Letizia é professor aposentado da PUC de São Paulo e está aqui em São Paulo por conta do lançamento do site de Interludium, onde a gente reuniu os textos dele e do nosso grupo de estudos, que tem mais ou menos a idade deste seminário – dez anos. A gente estudou Karl Marx, a história do movimento operário, e ontem lançamos um site reunindo esse material. Então, vou passar a palavra pro Vito.

Vito Letizia – Bom, eu estou com um problema visual que torna demorado pra mim encontrar as letras de um texto, eu me perco de lugar num texto com muita facilidade. Mas tô distinguindo o plenário, acho muito simpático, reconheci uma boa parte dele. Então, me propus falar sobre algumas coisas sobre as quais tenho escrito, alguns artigos a pedido do Departamento de Economia da PUC, que foram publicados na revista da PUC. Pretendo fazer uma fala curta, levantando principalmente as coisas que os economistas não falam.

Então, a primeira coisa que os economistas não falam é que a crise, aquilo que chamam agora de uma nova crise, que se concentra na inadimplência de alguns Estados na zona do euro, na realidade é uma continuidade da crise começada em 2007. As principais revistas econômicas apresentam isso como uma crise nova. Elas disseram que a crise estava se resolvendo em 2009, e em 2010 que estava resolvida. Mas agora apareceu essa novidade que diz respeito à má gestão econômica da Grécia, ou a um erro de cálculo do ministro das Finanças da Islândia e assim por diante. Mas na realidade é a continuação da mesma crise. Aliás, eu vou abrir uma exceção, teve um artigo que eu li recentemente, da professora Rosa Marques, da Economia da PUC, que menciona isso, que é a continuação da crise de 2007, sem dar muita explicação a respeito. Então por que é continuidade da crise de 2007? Porque a crise de 2007 foi resolvida de uma maneira que na verdade adiou o desfecho catastrófico. Impediu que de imediato ocorresse um desfecho catastrófico – como aconteceu, por exemplo, nos anos 30 do século XX; porém resolveu a situação de uma maneira que agravou aqueles problemas que tinham causado a crise.

O problema que tinha causado a crise era o excesso de capital em relação às necessidades de capital operante, de capital para fazer funcionar a produção, e consequentemente um excesso de produção sem o escoamento de mercado necessário para manter o crescimento desse, que é o que o capital precisa. Porque ele não precisa apenas que o escoamento prossiga; ele precisa que prossiga num ritmo crescente. O capitalismo é um sistema que precisa crescer pra funcionar bem. Aliás, era um problema que por acaso eu já tinha apontado num artigo anterior, este excesso de produção, em relação à capacidade de absorção do mercado. Nesse artigo sobre a possibilidade de uma crise – ainda não era a crise – levantei o modo como estava sendo resolvido o excesso de produção, com uma criação gigantesca de crédito ao consumidor.

Porque nos primórdios do capitalismo, quando os consumidores não tinham dinheiro para fazer compra, para suprir as suas necessidades, eles recorriam ao montepio; então eles pegavam joias da mãe, do casamento, aliança, os mais pobres pegavam aliança de ouro do casamento, e botavam no montepio. Os bancos não ofereciam crédito às pessoas físicas, a não ser às pessoas que tinham uma certa riqueza, que garantia que eles não se tornassem inadimplentes no futuro.

Mas agora surgiu um desenvolvimento absolutamente extraordinário do crédito ao consumidor, a ponto de os Estados Unidos, já antes da crise de 2007, terem, por exemplo, um endividamento do público correspondente a 120% do PIB americano. Na Inglaterra, 140%. E os economistas dizendo que o Brasil estava num nível do endividamento do público muito baixo, porque era de apenas 40% – 40% do que se chama, o termo concreto, o termo correto, em economia, contabilidade, de renda nacional. Quarenta por cento da renda nacional. Então isso era considerado muito baixo. Mas isso nunca existiu no passado! Um consumo baseado em endividamento! Isso nunca existiu.

Agora, já existem os instrumentos para isso: o cartão de crédito – que não existia no passado, e que cria um endividamento automático, porque é uma fonte de alimentação gigantesca, em juros fortes, para o capital financeiro; e o crédito consignado, os empréstimos consignados, que permitem o saque direto do salário. Em suma, toda uma série de instrumentos que endividam o público e criam um mercado de consumo artificial.

Isso já me preocupava antes da crise, quando se discutia a saúde do sistema capitalista. Eu levantava, diante dos meus colegas ali da PUC, que essa saúde era uma saúde um pouco questionável, porque um consumo bom, baseado no endividamento, não é exatamente um consumo que possa ser prolongado. Considerando que o capitalismo exige um crescimento contínuo, imprescindível para prolongar isso, é impossível. Então, de certa maneira, se podia programar uma crise para um futuro, que evidentemente a gente não podia, em 2005, 2006, dizer quando seria. Eu visualizava 2008. Eu falei em várias palestras que eu dei naquela época, que eu ainda estava na PUC – me aposentei em 2008 – eu levantei a data de 2008.

Por que 2008? Dois mil e oito era a Olimpíada na China, e até 2008 haveria um crescimento muito forte de investimentos, que manteria um ritmo de consumo de insumos industriais bastante alto, e um nível de emprego decorrente dessa produção que vai manteria, que sustentaria isso aí. Em 2008, esse programa do capital ficaria um pouco sem chão. Na realidade eu errei, porque a crise estourou em outubro de 2007, a partir da crise do sistema imobiliário americano. Ali, já, um economista colega meu, quando em dezembro de 2007 lhe disseram que o governo resolveu (a crise), ele disse: “Não, vamos fazer a conta do que ficou pra ser pago.”

Era um cara familiar com o sistema financeiro, que não é a minha área. Eu sou mais de História Econômica, Economia Política, a minha área não é exatamente o sistema financeiro. E ele disse: “Não, vamos fazer a conta das dívidas que vão ter de ser pagas, e isso aí vai estourar agora, no começo de 2008, ou no máximo até julho de 2008.” Era o professor José Pompeu, que aliás era um consultor de bancos aqui em São Paulo, do sistema bancário de São Paulo. Ele estava bem por dentro dos prazos, da maturação, dos ciclos do sistema financeiro; ele acompanhava aquilo que se chama, em linguagem técnica, de maturação dos ciclos. E ele dizia isso. Mas não se verificou o que ele dizia, porque o governo americano socorreu os bancos. E o governo americano e o governo inglês criaram aquele sistema que colocou o Banco Central inglês, que foi o mais diretamente atingido, na posição de cobrador dos títulos que não podiam ser descontados no circuito privado. Isso fez a dívida inglesa se acumular num ritmo muito rápido.

Mas não aconteceu nada, naquele momento. A Europa e os Estados Unidos resolveram o problema deles, mas quanto isso custou pro governo americano? Custou mais ou menos o PIB dos Estados Unidos. E ao mesmo tempo em que ele protegia os banqueiros, não fez nada que impedisse o rebaixamento do nível salarial. O socorro não foi só aos bancos; foi socorro às grandes empresas, que impediu que elas falissem. Só que essas empresas, ao mesmo tempo em que eram socorridas para que não falissem, demitiram e rebaixaram salários, e retiraram conquistas.

O que deu uma gritaria muito forte, naquele momento, entre os trabalhadores, inclusive entre o público. O público fez muita piada sobre o assunto, mas também houve reações indignadas. “Quando eu estou precisando de dinheiro, não ganho; agora, o banqueiro precisa de um trilhão, ele ganha. Nós não temos esse recurso”. Muita gente ficou sem casa, porque o que o governo Obama fez? Ele remanejou a dívida dessa gente. Só que essa tal da dívida do subprime era um segmento de dívida que era totalmente sem fundamento. Para você conceder um empréstimo, não se exigiam os requisitos mínimos: por exemplo, o cara ter um emprego. O cara não tinha. E mesmo assim repassavam, faziam crédito pra ele.

Só que o banco que fez o crédito não ficou com o título na mão. Lançou o título no mercado secundário de títulos. Inclusive não lançou o título, propriamente, do empréstimo imobiliário; lançou uma parte desse título misturado com outros créditos daquilo que eles chamavam os conduits de crédito; com maturações, inclusive, variadas dentro do próprio título, de modo que não se sabia o que aconteceria quando os devedores começassem a se tornar inadimplentes. Quer dizer, o detentor do título, se ele caísse em cima do momento de esgotamento do prazo, ele ficaria com um prejuízo parcial. Mas que já liquidava com o negócio dele, porque, como é um derivativo, o prejuízo parcial é tudo! Ele não pode ter um prejuízo parcial, porque o ganho dele é parcial.

Bom, o sistema financeiro sofreu as consequências disso, mas o que eu teria a dizer sobre a solução? A solução é que os grandes responsáveis por essa crise, os grandes bancos que foram socorridos, eles posaram de fortes diante da crise. E no fim de 2009 eles tinham devolvido ao governo americano o crédito que tinham recebido para resolver o problema imediato deles. Só que essa história foi um pouco mal contada, porque eles receberam (o dinheiro) de graça.

O governo comprou esses títulos que ninguém ia comprar. Esses títulos eram pra ser rasgados. Como acontecia no passado, como aconteceu nos anos 1930. Eram dívidas que não iam ser pagas. Os caras faliram, os devedores faliram. O banco não ia receber. Só que o banco estava com o título em cofre. Se o devedor falisse, o banco falia. Como faliram, nos anos 1930. Depois da 2ª Guerra Mundial (os EUA) retomaram o crescimento, com base num sistema bancário renovado. E aqui não, continua o mesmo sistema bancário, com o capital acrescido, porque eles recebem um dinheiro que era falso, um dinheiro que não representava mais nada, em termos de economia real. Um dinheiro que era um compromisso de dívida de gente que não tinha emprego, que não representava venda nem compra de mercadoria nenhuma. Era dinheiro em estado puro! E (os bancos) devolveram com dinheiro falso pro governo americano. Devolveram reconvertendo em títulos da dívida pública americana, que subiu, e que é sustentada como? É sustentada com o fluxo de capitais que vai se refugiar no Tesouro americano, porque o Tesouro americano pode emitir dinheiro que é absorvido no mundo inteiro, principalmente pela China.

Então, a questão do acúmulo, do excesso de capital em relação à circulação de mercadorias, se mantém, aliás se acrescentou. Só que neste movimento foi arrastado o sistema financeiro europeu, que teve de sustentar os bancos europeus que estavam envolvidos nesse negócio aí.

O Banco Central Europeu, o BCE, ele pôde aguentar firme, apoiado um pouco pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), um pouco pelos créditos que recebia do mercado financeiro internacional. Mas o sistema financeiro europeu é heterogêneo, e alguns países são mais vulneráveis que os outros. Então ele começou a ter reações diferentes conforme a fragilidade da economia de cada um dos países-membros.

Teve um episódio islandês, que foi muito bonito, onde um banco privado apostou na saúde do sistema financeiro europeu, e depois não pôde honrar seus compromissos. Aí o governo islandês resolveu colocar o Banco Central islandês a serviço da salvação desse banco privado. Foi uma coisa bonita, porque o povo da Islândia se revoltou contra isso: “Não, vocês não vão socorrer esses caras.” Mas o primeiro-ministro tinha assumido o compromisso. “O primeiro-ministro que se demita, já que ele assumiu o compromisso, e esse banco não vai ser socorrido.” Saiu o povo na rua. Foi o único lugar onde saiu o povo na rua para impedir isso. E aí o Parlamento sugeriu um plebiscito, para resolver a questão. E o plebiscito deu a favor do povo, então nem tinha como se safar disso. O primeiro-ministro se demitiu e o banco faliu. Resolveu. E os credores europeus ficaram com o prejuízo. É assim que se resolve, mas a Islândia é terra de viking, né? (risadas). Esse episódio não foi muito divulgado. A revista The Economist publicou esse negócio, dizendo que “isso não poderia se repetir em outros países…”

Já a Irlanda, como resolveu? Destruindo conquistas. Destruindo conquistas num grau muito elevado. Só que com uma diferença em relação à Grécia: na Irlanda, os trabalhadores engoliram tudo. Sem chiar.

A Irlanda é um país especial, eles se sentem muito felizes por serem um país independente, sempre foram dependentes da Inglaterra. O partido que domina a política irlandesa é um partido que tem esse prestígio, de ter feito a independência da Irlanda. É um país católico, que se opõe ao anglicanismo da Inglaterra, e “a nossa economia vai ter que funcionar”, sabe aquelas coisas? E “a gente vai passar sacrifícios pra que ela funcione”… Tem esse orgulho de ser irlandês, “que a gente vai aguentar no osso do peito essa salvação da nossa economia”, essas coisas desse tipo. A Irlanda infelizmente ou felizmente, sei lá, ela é assim, e eles rebaixaram o nível de vida deles sossegados, quietos.

Antes disso, a Irlanda estava tendo um fluxo de investimentos estrangeiros muito grande. Eles criaram aquilo que chamam de “investimento em capital fixo”, e fizeram um relaxamento da lei pra esse tipo de investimento. Quer dizer, tiraram todos os encargos dos investimentos que entram na Irlanda. Então a Irlanda ficou um país muito atrativo pra investimento, fazendo uma espécie de dumping em relação à competição por investimentos dentro do Mercado Comum Europeu. Por exemplo, investimentos franceses que não iam para a França iam pra Irlanda. É mais barato investir na Irlanda, inclusive com a salvaguarda de “a gente não está indo pra China, a gente está indo pra Comunidade Europeia!” entende? Só que fazem isso sacaneando os trabalhadores franceses. Então, eles (na Irlanda) tinham um sistema assim, que deu uma certa força, um certo nível de emprego, que os trabalhadores irlandeses resolveram salvar, com os salários rebaixados.

Já na Grécia não teve isso, ela nunca foi um polo de atração de investimentos externos, apesar de também estar no Mercado Comum Europeu. Mas a Grécia é a Grécia, né, não tem o tipo de trabalhador que tem na Irlanda. Não é um país industrial, tradicionalmente. O frete marítimo é a principal fonte de renda da economia, e algumas exportações primárias. E, evidentemente, além do frete marítimo, também tem um gigantesco turismo que vai para a Grécia. E os serviços que giram em torno do turismo. Mas isso aí não compõe uma economia que possa se sustentar num momento de crise. Evidentemente, as vítimas principais foram os funcionários públicos. Casualmente, na Grécia, o sistema do funcionalismo público é muito grande, justamente porque não é um país industrial. Então, os governos gregos, quando subiram – vocês devem estar lembrados… não, mas aqui tem gente tão jovem que não deve estar lembrado de nada… (risadas).

Paulo Arantes – Só eu. Dos coronéis gregos, só eu que lembro.

Vito Letizia – Quem está acostumado a ver filmes sobre a Grécia, deve estar lembrado dos coronéis e tal. A Grécia passou longos anos sob ditaduras conservadoras, e finalmente o Partido Socialista grego venceu, e evidentemente resolveu o problema da economia grega criando um setor estatal avantajado, com salários razoáveis, mas nada de luxuoso – nada comparável, por exemplo, ao que ganham os trabalhadores alemães, que realmente estão muito bem de vida, ou estavam. Mas digamos assim, um setor público avantajado.

E aí a acusação dos críticos da economia clássica, ou neoclássica, dentro da terminologia das escolas econômicas, é a seguinte: “Ah, não, loucura do governo grego, de criar um setor público avantajado, que vai depender de arrecadação, e portanto manter impostos num nível alto, e é um setor que não produz.” Na realidade produz, produz serviços importantes, na medida em que proporciona serviços públicos como saúde, educação, e assim por diante. Mas isso aí tem que ser tudo privatizado, segundo a doutrina dominante.

Então resolveram socorrer o governo perdulário, o governo imprevidente, que não sabe administrar as finanças públicas… e aí começou. Só que a dívida pública grega estava principalmente com os bancos europeus. Numa situação em que eles já estavam onerados com a salvação dos bancos do decorrer da crise de 2007 e 2008, os bancos se viram com esse novo ônus. Quem poderia carregar isso um pouco mais nas costas seria a Alemanha. Aí entra a senhora Angela Merkel, que diz que a Alemanha não quer ser o pagador das más políticas dos outros membros da Comunidade. Os outros que aprendam a lição e sofram o ônus.

Mas como deixar a Grécia à deriva? Bom, existe hoje em dia uma teoria, que é a teoria dos editorialistas da revista The Economist, que diz que tem que deixar a economia grega à deriva, e evitar que Portugal, Espanha, Irlanda e Itália entrem no processo de inadimplência. Porque se entrar no circuito Portugal, Espanha, Irlanda e Itália, aí entram em cena Alemanha e França. (A economia desses países) vai ficar também insustentável. Aí desaba o sistema monetário europeu. Então, eles dizem: “Vamos deixar a Grécia à deriva, porque seja o que for que acontecer à Grécia, se a gente salvar os outros, a gente salva (o Mercado Comum Europeu).”

Agora, o que vai acontecer com a Grécia, não se sabe. Porque mudar de moeda é uma operação complicada. Não é assim: “Mudei de moeda, gente. Tchau!” É uma operação econômica e financeira, uma operação de política monetária que tem custos. Se eles chegarem numa proposta dessa, é porque realmente a situação está sem saída. Aí tem outros economistas que dizem assim: “Não, vamos tentar sustentar a Grécia, vamos só ver se a gente consegue sustentar até o endividamento de 200% do PIB, quando chegar a 200%… Mas talvez a gente possa segurar nesse nível. Se a gente segurar nesse nível, bom, de repente vai aparecer no horizonte, no decorrer do processo, alguma solução; por exemplo, os Estados Unidos conseguem melhorar, voltar a ter um bom nível de emprego…” Porque para essas pessoas, não está acontecendo nada lá nos Estados Unidos; o país só está sem o nível de emprego necessário para manter uma saúde econômica.

Aí eles dizem: “Não, essa crise não é nossa, é deles; na realidade é deles. Porque eles emitem moeda, os europeus não podem; e eles não querem emitir mais.” Eles querem sustentar o nível de emissão que eles tem, inclusive diminuindo impostos, que foi o acordo que fizeram lá – diminuir os tributos ao capital, porém cortando serviços sociais. Que é a razão do estouro dessa gente aí.

Essa gente que está estourando nos Estados Unidos, em movimentos como “Ocupe Wall Street”, é porque está perdendo benefícios. E sabe que (o responsável) é o capital financeiro, porque eles viram a operação de salvamento, e na época em que ela foi feita, teve aquela indignação nacional e todo mundo se lembra. Não faz tanto tempo assim, gente, foi em 2008. Não precisa ser velho para lembrar.

Então, o momento em que surge isso não é casual. É a dívida europeia, e o acordo que foi feito nos Estados Unidos para rebaixar o nível de vida dos trabalhadores através do corte de benefícios sociais. São coisas concretas, não é uma visão intelectual das finanças que está movendo esse público americano. Nem sempre é exatamente trabalhador, mas é gente que está ligada a isso aí. Então tem gente de todo tipo. Gente que saiu do mercado imobiliário, que não tem mais esperança do sonho de uma casa própria. Porque existe uma ideologia nos Estados Unidos: todo americano tem que ter uma casa própria. Este problema do americano comum foi assumido como um problema nacional da nação americana… Mas nunca conseguiram realizar esse sonho, apesar de existir um sistema bancário especial só pra resolver isso, com juros subsidiados e tudo mais, desde os anos 1930. Até que esses bancos também faliram e tiveram que ser subsidiados em 2008. Eles tiveram que ser comprados e reintegrados na propriedade semi-privada, porque esses bancos imobiliários tem um sistema jurídico um pouco complicado. Só que tem gente que caiu fora disso daí, porque não tem mais esperanças nisso.

Nos movimentos atuais tem gente que é do serviço público, e perdeu benefício social; tem gente que foi demitida do serviço público; ou que viu os pais serem demitidos. Ou gente que ouviu falar que vai ter corte aqui, vai ter corte ali. Tem tudo isso. E tem gente que acusa o governo (que aí já é gente que fala um pouco de bobagem) de ter uma política de aumento do endividamento. Quer dizer, o governo estaria cortando impostos e aumentando o endividamento. E aí essa gente fala em “socialismo” e tal. E é interessante que a mídia centra o foco nesses aí, nos que falam em “socialismo”. Esses são os menos importantes. Os que se mobilizaram pra ocupar Wall Street, que se mobilizaram contra o sistema bancário, eles não estão preocupados exatamente com o “socialismo”. Eles estão pensando no privilégio particular que está sendo dado ao sistema financeiro, e no desprivilégio que está sendo dado ao público. Só que, como existe uma grande fatia do público americano que é antissocialista por… digamos assim…

Paulo Arantes – DNA (risadas).

Vito Letizia – É um preconceito muito forte na sociedade americana, principalmente na classe média americana, que é muito numerosa. Então eles procuram focar essa gente dizendo “não, esses aí são os socialistas”, pra desmoralizá-los diante do público americano. Mas isso na realidade é proposital, a mídia americana faz isso. A gente até viu aí, alguém mostrou pra nós, um vídeo que tinha um cara falando em socialismo, “I’m socialist”, não sei o quê… então focaram em cima do cara, sabe…

Mas não é isso que assusta os banqueiros. Sabe o que assusta os banqueiros? “Se a gente precisar de um outro acordo, não vai dar mais pra fazer na cara dos americanos. Não vai mais dar pra fazer.” Esse é o medo. E eles vão precisar desse acordo. Eles vão precisar integrar mais dinheiro, porque não resolveram a crise. O governo até previu o aumento da dívida pra socorrer os banqueiros, emitindo títulos do Tesouro americano. Mas se a economia chinesa fraquejar, e diminuir a compra de títulos… Hoje em dia o principal sustentáculo da economia americana é a China. Se diminuir o ritmo, não digo nem o volume absoluto, mas se diminuir o ritmo de compra…

Os chineses já fizeram ameaças: “A gente vai repartir o nosso crédito internacional em dois tipos: um a gente vai investir em títulos do Tesouro americano, e outro a gente vai investir em outras coisas”, mas não, o principal investimento deles continua sendo em títulos do Tesouro americano. Porque eles estão interessados em que os Estados Unidos se mantenham como o grande consumidor mundial. Enquanto ele for consumidor mundial, será o consumidor mundial dos chineses.

Sem isso, a China não pode viver eternamente nesse ritmo de “bem-estar” – que é “bem-estar” entre aspas, na realidade é um mal-estar dos trabalhadores que fazem aquilo ali funcionar. Mas tem uma camada urbana que se beneficiou disso. Só que não tem como sustentar essa situação sem que cerca de 70% da produção chinesa seja exportada. O que é um absurdo em termos de Economia, qualquer Economia ricardiana – não vou nem dizer marxista. Marx, no Capital, dizia que o equilíbrio é o melhor. O equilíbrio com uma pequena reserva monetária é o melhor para o sistema capitalista sadio. Quanto menor a reserva, digamos assim, que o Banco Central de um país capitalista precisar manter, mais dinâmica é a economia que esse país terá.

Hoje em dia os países que querem fazer a economia funcionar são obrigados a acumular gigantescas dívidas, que são na realidade gigantescas dádivas ao Tesouro americano. O Brasil já está se orgulhando de 320, 330 bilhões de dólares em reservas. Mas nós realmente não precisamos de 330 bilhões de dólares em reserva. Precisamos é sustentar nossa moeda. Nós tínhamos uma moeda conversível, o cruzeiro, que era pra lá de bom (murmúrios). É claro! A gente quando precisava viajar, comprava dólares num cambista aí, e quem tinha dinheiro pra pagar o preço do dólar, pagava e viajava. Acabou. E era muito bom, porque aí viajava menos gente, e a gente perdia menos dinheiro em turismo no exterior (risadas). Quem quisesse viajar viajava pro Nordeste… Agora nós somos deficitários, altamente deficitários, na conta de transferência de capital, porque o nosso turismo interno perde pra Europa, pros Estados Unidos, pro exterior.

Então essa é a ameaça que pesa sobre eles (os americanos), e a indignação que surgiu é em função disso. Agora, aqui entre nós – eu sei que tem muita gente aí que acha que a gente tem que partir pro socialismo. Eu sou sempre muito amigo dessa gente, só que eu não sei exatamente o que é o socialismo. Vou me guardar de fazer uma polêmica em cima de bases pouco sustentáveis, difíceis de esclarecer. Mas eu digo o seguinte: o que está acontecendo concretamente é uma oposição a essa simbiose, como eu digo nos meus textos, do Estado burguês com a finança internacional. Movimentos como “Ocupe Wall Street” estão, pela primeira vez, bloqueando essa simbiose. E isso é a ruína deles.

Tudo bem, a gente pretende uma sociedade mais avançada do que o capitalismo, mas vamos pisar em terreno sólido. O que está acontecendo é isso. E isso nos basta. Para o sistema financeiro e os Estados em simbiose com ele, essa é uma ameaça absolutamente gigantesca. Temos que apoiar incondicionalmente este movimento, porque ele tem esse sentido. Sem criticar, ou sem dizer que eles são insuficientes por não serem socialistas…

Pelo contrário, o excesso de propaganda socialista atrapalha um pouco em alguns países da Europa do Leste, por exemplo. A Europa do Leste tem uma experiência muito ruim com o socialismo, porque foi subjugada pela União Soviética stalinizada. Então não é muito salutar, não é proveitoso pra nós colocar isso na frente. Pelo menos nesses lugares.

No Brasil a gente tem um governo que parece que diz – ou já não diz mais tanto, né? A esquerda do PT diz: “é, não estão mais falando em socialismo como se falava antes…” Mas a esquerda do PT é a esquerda do PT, né, gente? Tem que sofrer o ônus de ser esquerda do PT (risadas). Então, aqui no Brasil, de repente nem é prejudicial falar em socialismo. Mas em muitos lugares pode até ser altamente prejudicial. Está sendo levantada uma gigantesca barreira, que hoje em dia está se espalhando por todos os países importantes do mundo, contra o poder do capital e contra a simbiose entre o Estado burguês e o capital financeiro. Isso é uma vitória absolutamente incomensurável, gente, se isso aí se consolidar… é a ruína deles à vista. Não temos que falar nada que atrapalhe isso. Se a gente identificar alguma coisa que atrapalhe isso, vamos ficar quietos (mais risadas).

Organizador – As questões com o Anderson, por favor.

Pessoa da plateia – Eu queria fazer uma pergunta. Eu queria que o senhor falasse um pouco sobre o papel das agências – as agências de classificação de risco. Porque elas foram também muito responsáveis por toda essa crise de 2008, e continuam aí, pautando, classificando os resultados.

Vito Letizia – As agências tem duas funções. Originalmente, elas tentaram sistematizar aquilo que os bancos faziam através de um departamento de avaliação dos riscos da sua atividade financeira. Todo banco tinha um departamento de avaliação dos riscos dos seus investimentos. Só que, fora do sistema bancário, existem muitos agentes financeiros não-bancários, e muitos investidores privados, que não são bancos mesmo, são… pessoas físicas, até, pessoas de grande fortuna, que precisam de um guia para investir. Hoje em dia circulam títulos de empresas que competem no mercado secundário de títulos como os antigos títulos dos Bancos Centrais: títulos de médio e longo prazo dos bancos.

Essa diversificação criou a necessidade de surgirem essas agências. E outra função, que foi se desenvolvendo lentamente à medida em que elas foram ganhado importância, é funcionar como um sistema de pressão. Porque quando elas fazem o rebaixamento de um país, de certa maneira forçam esse país a seguir a política ditada pela finança internacional. Na medida em que esse país sofre um rebaixamento nos rankings, passa a ter que pagar juros mais altos pelos seus títulos. Então, a rigor tudo se resolve em taxa de juros, viu, gente.

Por exemplo, no caso da Grécia: baixa os juros do jeito que quiser. Baixa ou levanta, tanto faz. Porque a Grécia está totalmente desacreditada. Então qual é a solução? A solução é eurobônus. Só que eurobônus é todo mundo cair no Banco Central. Porque se for empréstimo de banco – por exemplo, dos bancos privados dos países sadios da Europa, os bancos alemães em particular – tudo bem. Aí esses bancos vão arcar com o ônus e no futuro vai se ver se é necessário socorrê-los ou não. Mas se for eurobônus, dos Bancos Centrais diretamente, é o Banco Central europeu diretamente, e todos os países europeus igualmente. E aí os países que estão a perigo dizem assim: não, a Alemanha tem que arcar com a parte maior. Então o eurobônus está descartado.

Mas aí tem a questão: a que juros? O próprio Banco Central europeu não quer um juro baixo, e é inviável para a Grécia. Tudo se resolve na questão dos juros. E a agência entra aí. Ela exerce a pressão, dizendo: “Olha, vocês tem que fazer a política que a gente quer, a saber: liberalizar o mercado de trabalho e cortar benefícios sociais. E criar situações mais favoráveis ao investimento externo, ou seja, diminuir tributos ao investidores de capital. O que significa diminuir a arrecadação e reduzir capacidade de pagamento de dívida. Mas se os trabalhadores trabalharem mais recebendo menos, de repente até funciona…” Então é um sistema de pressão também. Aliás, em função disso, tem acusações que estão sendo levantadas pela primeira vez hoje, de que as agências estão falseando dados para usar como forma de pressão.

Pessoa da plateia – Acho que isso já foi feito em 2008.

Vito Letizia – Já foi feito em 2008, só que hoje em dia está sendo levantado por vários economistas que não são exatamente anticapitalistas, mas peitam dizendo que está havendo essa falsificação. Aí eles produzem um texto para a revista The Economist dizendo: “Não, tem que mudar os caras que decidem. Tem que botar gente externa às próprias agências, pra dar um palpite que não seja influenciado pelos interesses das agências, que estão ligadas a quem? Aos grandes detentores de capital, que são os fundos de investimento, os fundos mútuos, os fundos de pensão…” É isso.

Organizador – Tem perguntas do Gilberto, do Paulo…

Vito Letizia – Eu prefiro que fale pelo menos mais de uma pessoa, porque às vezes as perguntas são mais ou menos sobre a mesma coisa, e dá pra juntar, nesse caso. Mas se não der pra juntar, tudo bem.

Pessoa da plateia – Professor, eu queria entender um pouco mais da crise, de como ela se resolve. Porque pelo que eu entendo não se trata mais de uma crise de superprodução, e sim desse descolamento enorme entre capital financeiro e capital produtivo. Dentro do sistema capitalista, qual é a solução dessa crise? Vai quebrando, quebrando, até reaproximar o capital financeiro do capital real? O que me leva à segunda questão, porque o senhor fala desse movimento (Ocupar Wall Street) e de como eles vivenciam esta relação do Estado deles com o capital financeiro. A solução da crise, ela se dá como se fosse voltar um passo atrás, quer dizer, o Estado passa a ter novamente um papel regulador, mais regulador das finanças? Porque no fundo é isso que está sendo posto em questão.

Vito Letizia – Tem várias perguntas aí. Vou ter de responder separadamente. Bom, é uma crise de superprodução. Como eu falei na minha exposição inicial, é um consumo sustentado artificialmente através de uma expansão contínua do crédito ao consumo. Na verdade, é um consumo artificial que faz com que uma produção para a qual não há mais capacidade de consumo se mantenha graças a uma expansão do crédito. E nesse terreno entra o Estado como instância concessora de direitos especiais aos bancos sobre o público, no sentido de se apropriar de uma parte do salário deles, através das taxas e dos juros dos cartões de crédito. Então, o que tem aí? Tem uma simbiose, a rigor, tripla – empresas, finanças e o Estado que protege todos. As empresas, cedendo uma parte da sua mais valia ao capital financeiro, quando este se apropria de uma parte dos salários, que antes se convertia inteiramente em mais-valia; e o Estado, emitindo títulos que significam transferência de renda do público que paga impostos ao capital financeiro.

Então, existe aí um conluio de interesses que implica em última análise numa transferência contínua de renda dos assalariados para o capital financeiro, e dos impostos do conjunto da população que paga tributos para as camadas que detêm títulos do Estado. Que são as pessoas que tem grandes poupanças, que tem grandes rendas financeiras.

Isso aí na realidade uma fusão de tudo, não é um descolamento, viu. Eu sei que você deve ter falado em descolamento porque há economistas que falam nisso. Não há esse descolamento. Pelo contrário, as empresas operantes, o capital operante – estou usando um termo do Capital –, as empresas que estão no setor produtivo, elas estão cada vez mais dependendo de lucros financeiros para manter sua taxa de lucro.

Pessoa da plateia – Não, o descolamento que eu estou falando é a posição do capital financeiro, que quer ser cada vez mais desregulado.

Vito Letizia – O que você está falando, então, seria da hipertrofia autônoma do capital financeiro – é isso que você chama de descolamento? Na realidade, seria, então, uma hipertrofia, independente da base produtiva?

Pessoa da plateia – Não, acho que está totalmente conectado, o que eu penso é só num descompasso muito grande, pelo que estamos vendo aí.

Vito Letizia – Sim, mas eu estou te esclarecendo: quando alguns falam em descolamento, eles estão falando nesse sentido, porque a base produtiva se mantém mais ou menos constante e até se contrai, e o sistema financeiro que se apoia nessa base é cada vez maior em proporção ao tamanho da sua base produtiva. Eles usam nesse sentido. (François) Chesnais, por exemplo, usa nesse sentido: a base produtiva é cada vez menor em relação ao volume do sistema financeiro. Segundo, quando, ao papel do Estado: o papel do Estado está numa atividade de sustentação disso. E inclusive sendo forçado a retirar…

Hoje em dia o Estado está fazendo cada vez menos coisas, passando tudo para o empreendimento privado, para poder ter mais liberdade de ação no socorro ao sistema financeiro. Na realidade, está virando uma instância de suprimento de recursos ao sistema financeiro, sem concessão de nenhum serviço social. Então, a saúde é privatizada, a educação é privatizada – salvo o que é impossível privatizar, que é aquela educação que ninguém quer pro seu filho. E o emprego é entregue ao sabor das flutuações da economia, exceto pelo Bolsa-Família, que é o socorro aos indigentes inevitáveis – aos “perdedores”, como dizem os economistas do Pensamento Único. Eles os chamam de perdedores, não chamam de pobres. Quer dizer, se eles forem suficientemente pressionados, eles vão continuar competindo até se tornarem ganhadores (risadas).

Então, o Estado está se restringindo cada vez mais a esse papel. Aí você me pergunta: o Estado deve voltar ao que era antes? Aí eu não sei. Porque o Estado para voltar ao que era antes, teria que ser outro Estado. A gente tem que saber do que está falando quando faz uma proposta. Se a gente quiser voltar… Por exemplo, uma proposta comum entre os economistas: o Estado tem que controlar o fluxo de capitais, de entrada e saída de capitais. É viável, legalmente é viável, só que ele vai comprar uma briga com o sistema financeiro internacional. Pergunta: ele tem forças pra comprar essa briga? Porque a nossa moeda depende desse fluxo. Não é por acaso que o nosso juro tá a 12,5%, o juro-base. Precisa atrair capital, pra quê? Pra sustentar a nossa moeda. Mesmo com a sustentação disponível hoje, estamos tendo uma pequena inflação – pequena, digamos assim, em relação ao que já teve; já tivemos uma inflação muito forte.

E aí, como vai fazer? A implicação imediata é voltar pro cruzeiro. A população brasileira está a fim de aceitar isso? Em entrevistas que foram feitas com o público – claro, entrevistas um pouco tendenciosas, né? – (foi perguntado): do que você tem mais medo? do desemprego ou de uma inflação galopante? E os trabalhadores diziam: muito mais da inflação galopante. Porque foi horrível. A inflação galopante significava que no fim do mês o salário do cara estava a zero, e o reajuste vinha na época do dissídio! Então o salário baixava enormemente durante um período longo do ano. E era uma batalha para conseguir o reajuste no nível da perda, que nem sempre era reposta. Então era perda certa. No desemprego não, de repente a gente acha um emprego, não se sabe, não é garantido que a gente não vá conseguir outro emprego. Ou a gente arranja um bico, monta uma cooperativa, se vira. Então como a gente vai sustentar um governo que faça esse tipo de retorno sem apoio do público, nem sequer dos trabalhadores? Tem que dizer pros trabalhadores: eu acho isso.

Aliás eu ouço recorrentemente, entre os que se intitulam de esquerda: “não, precisa fazer controle de fluxo de capitais”. Sim, e aí? Com que moeda? Com o real? A gente viu o que aconteceu em janeiro de 1999, no tempo do Fernando Henrique: desabamento do real. E aquilo foi um desabamento relativamente moderado. Ninguém recusou socorro ao governo brasileiro. Não tinha uma briga do governo brasileiro com a finança internacional. Se tiver, vai ser diferente. Vai ser como na Argentina. Vai ser o caos. Tudo bem, o povo na rua a gente quer, mas o povo tem que saber que ele vai ficar numa situação tal, que tudo que ele tem vai virar água. Claro que aí ele sai, vai pra rua, mas vai gostar de que tudo que ele tem vire água? O salário, a poupancinha dele? Precisa dizer, acho que um economista tem obrigação de dizer isso.

Mas, economista ou não, nós temos que dizer: a simbiose com o capital financeiro é a ruína. Precisamos ter em mente, a necessidade de quebrar o poder do capital financeiro e quebrar essa simbiose. Agora, isso vai exigir sacrifícios da população. Tem que alertar. Quem parte pra uma briga tem que saber que vai ter briga. Vai dizer: “Não, a gente vai fazer assim, e ninguém vai fazer nada, e vai ser tudo bonito”? (risadas). Não é bem assim! E nós temos poucas armas. Eles tem a nossa moeda na mão. Tem que dizer isso. Mas eu sou a favor (do controle do fluxo de capitais), dizendo, alertando o povo. O povo pode dizer: “Vamos”, porque de repente se a China fraquejar, por exemplo, eles vão ficar numa situação muito ruim. E isso está sendo visualizado até por economistas ortodoxos e tal. Se a China fraquejar, o Brasil vai escorregar até lá embaixo.

Pessoa da plateia – Professor, boa noite. Antes eu gostaria de dizer que gostei muito do seu texto, quando o senhor fala por exemplo daquele momento no final do século XIX, associando a Belle Epoque com um momento tenso da conquista ou solidificação que se passa lá no campo da classe trabalhadora. Isso permite que eles, enfim, passem a trazer a vida social para outro patamar. E o senhor encerra o texto falando da pauta pela redução da jornada de trabalho como um modo de garantir algum equilíbrio – embora atingindo o processo de extração da mais valia. Agora, eu queria ouvir do senhor, considerando-se que hoje uma das características da captura do trabalho e do capital se dá fora das redes formais de relação de emprego, como é que se faz para lidar com este amplo segmento da população oriundo do mundo do trabalho capturado pelo capital. Quais seriam os caminhos para romper com essa grande captura do mundo do trabalho pelo capital ocioso?

Vito Letizia – A tua pergunta tem dois lados. A questão do trabalho informal, ela decorre do fato do trabalho formal estar muito caro. Atualmente a economia está boa – no caso do Brasil, sendo puxada pela economia chinesa – e tem recursos naturais a destruir, que fazem com que ele seja competitivo nessa área; e que também fazem com que ecologicamente a economia brasileira seja um desastre. Claro, é um desastre necessário para o tipo de economia ao qual o Lula está atado. Então, isso aí teria que acabar e teriam que surgir meios de criação do trabalho formal. No trabalho formal, a parte que fica com o trabalhador é maior. Estamos falando do sistema capitalista. Com esse trabalho melhorado, fica viável a circulação da mercadoria produzida? Então o governo tem que tomar providências para que isso se torne viável. E para isso tem que comprar uma briga com a OMC (Organização Mundial do Comércio). Tem que romper com a OMC, o que é uma briga gigantesca. Porque o Brasil se submeteu à China através das regras da OMC.

Se não se fizer isso aí, é claro que as empresas vão preferir o trabalho formal quando precisarem de uma mão de obra mais duradoura. Não é conveniente pra uma empresa ficar demitindo de seis em seis meses. Ela quer manter pelo menos uma parte da sua mão de obra, que varia muito – pode ser pequena, pode ser maior –com uma certa experiência para o fluxo da atividade da empresa se manter constante, poder fazer projetos de produção, e assim por diante. Não adianta ficar renovando a toda hora, e produzindo mão de obra inexperiente, isso cria problema. Então o trabalho formal sempre vai ter um lugar. Mas ao mesmo tempo, na medida em que haja expansão, essa expansão vai ser dar em primeiro lugar com o salário informal. O que implica uma grande miséria, ao lado desse salário melhor. Mas a solução já é uma briga, que o Brasil agravou, né? O Brasil podia ter as mãos livres para manejar o seu comércio com a China.

A China antes era qualificada pela OMC como economia socialista. Então não entrava nas regras da OMC. Aí a China passou a reivindicar que ela era uma economia de mercado. Mas os países, um por um, tinham a liberdade de aceitar ou não a tese chinesa de que a economia deles era uma economia de mercado. E o Lula aceitou. A gente sabe que ele sofreu pressões do governo americano para que aceitasse. E o Lula nunca resistiu às pressões do governo norte-americano. Mas se tivesse resistido, a China estaria classificada como economia socialista e o Brasil teria liberdade para impor taxas aos produtos chineses. Isso tornaria mais vendáveis os produtos brasileiros, pelo menos no mercado interno, o que já é um alívio grande. Porque o mercado brasileiro interno, hoje em dia, pode sustentar pelo menos uma parte substancial da sua atividade industrial, e é uma geração de emprego interessante. Então o Brasil abriu mão disso, e agora está com as mãos atadas.

A segunda parte da pergunta diz respeito à jornada de trabalho. Ela é a maneira mais óbvia, do ponto de vista dos trabalhadores, de aumentar as necessidades de mão de obra. Aumenta a necessidade de trabalhador, ou de unidade de força de trabalho por unidade de capital investido. Que assim é que se faz o cálculo, em microeconomia: é unidade de força de trabalho por unidade de capital investido. É a unidade de capital investido que faz essa força de trabalho funcionar; se precisar comprar uma máquina a mais, tem que ter uma unidade de investimento de capital, que provê isso aí. Então aí tem gráfico que mostra como essa curva vai evoluir, e de repente ela atinge um patamar que não permite mais que progrida. Se a jornada de trabalho diminuir, as horas de trabalho dessa unidade vão ser menores, então vai ter que ser suprida por outra pessoa física. Então vão aumentar as oportunidades de emprego. Isso é aritmético, gente, não vou nem dizer que seja uma operação matemática complicada; é aritmética, é questão de dividir, somar e multiplicar, entende? Dá pra fazer isso de cálculo. E casualmente esse cálculo foi feito durante a crise, aliás eu cito no meu texto. Eles chegaram à conclusão de que com 33, ou com 33 vírgula alguma coisa de trabalho semanal, estaria resolvido o problema do desemprego causado pela crise.

Eu propus ali, vamos baixar para 33, até dei a lambuja de algumas frações pro capital (risadas), então vamos reduzir a reivindicação da classe operária pra 35, mas o capital nos diz que é 32 e alguma coisa, então vamos pegar pela boca esses rapazes inteligentes e vamos dizer: “Então tá, olha, a gente dá uma lambuja pra vocês e fica com 33 horas de trabalho.” Mas não, o que eles querem é liberdade total para impor 10 horas, 15 horas, 20 horas… quando na realidade a economia está precisando de 33, ou 32 e alguma coisa. Tem que reduzir a jornada de trabalho.

Queremos o pleno emprego, sim, mas pleno emprego como? Aumentando o consumo mundial? Pra aumentar o consumo mundial tem que aumentar a riqueza do público, e isso não se faz da noite pro dia. Mas no momento se pode, da noite pro dia, reduzir a jornada de trabalho. Aí vão dizer: ah, mas não dá pra pagar o salário integral reduzindo a jornada. Tudo bem, então não paga o salário integral, mas faz um plano. Não paga tudo, mas pelo menos não corta em 70%, 67% do salário dos caras. Supondo que seja 40 horas, então seria um sexto da jornada de trabalho, estamos falando em cortar um sexto do salário. Então vamos cortar um sexto do salário dos caras; vamos cortar um déficit. E com um projeto de reposição até o salário integral de novo, daqui a três anos, sei lá. Se poderia fazer uma negociação desse tipo, mas com jornadas de 33 horas, que é o que a produção está exigindo. A produção! Deles!

E por isso eu levanto (essa questão), e eu digo que é absolutamente indispensável levantar. Claro, o que os trabalhadores levantarem como bandeira, eu vou aceitar. O trabalhador sabe o que quer, ele tem as urgências dele, vou apoiar uma luta por melhores empregos e mais empregos; estou sempre a favor dos trabalhadores. Mas eu digo, em termos… gente, eu vou prestar um esclarecimento: em termos de assessoria econômica, precisa reduzir a jornada de trabalho também, pra isso funcionar.

Porque senão, eles vão criar subterfúgios, por exemplo, como estão fazendo nos Estados Unidos. Lá eles dão um subterfúgio para a empresa contratar mais do que precisa, e resolver temporariamente o problema, até acabar a estação; e quando acabar a estação, eles demitem de novo, um por um. Um por um. Aconteceu nos Estados Unidos. E a saída deles, como sempre, é: o subsídio é pro patrão contratar, não pro operário ficar em casa. Então, precisa dizer: redução da jornada do trabalho. Agora, vai haver quem diga que “os trabalhadores não estão maduros para ousar esse passo”. Mesmo porque tem uma coorte enorme de economistas que dizem que isso não funciona… Artigos mil surgiram quando se discutiu a jornada de 35 horas aqui. Aliás, jornada de 40 horas, na Europa era de 35, mas alguém levantou a de 35 aqui também. “Não, não funciona, porque no fim eles vão ser demitidos…” Como no fim eles vão ser demitidos? Vão ser demitidos porque os patrões querem explorar mais e não querem aceitar de jeito nenhum as 35 horas! E se eles tem gente na miséria que aceita o trabalho informal, eles vão pro trabalho informal e não pagam as 35 horas!

É muito simples controlar o salário informal. É só controlar os pagamentos das empresas, que hoje em dia é tudo controlado. Hoje em dia tudo se faz por banco. Antigamente era difícil. Os trabalhadores recebiam um envelope com o salário deles. Era difícil saber o que acontecia com aquele dinheiro que circulava em envelopes. Hoje em dia está tudo no sistema bancário, e controlado pelo Banco Central. “O que você está pagando de salário?” Pronto, resolveu. Não precisa perguntar pra ele, tá no banco. Todo mundo é obrigado a ter conta bancária! E eu quero ver eles tomarem uma medida que libere os trabalhadores e os operários de ter conta bancária, quero ver. Isso significaria a eliminação de um lucro gigantesco dos bancos. É muito fácil controlar isso aí. Hoje em dia é.

Pessoa da plateia – Boa noite, professor. A pergunta que eu ia fazer tange à subordinação da nossa moeda. No seu texto sobre o triângulo, que corresponde aos Estados Unidos, China e periferia, um dos pontos de apoio me parece que é a emissão de moeda espontânea pelos Estados Unidos…

Vito Letizia – Espontânea, não, livre.

Pessoa da plateia – Livre. Isto tem de alguma maneira uma relação com o lastro-dólar. Mas o que eu quero perguntar é: o que justifica que o lastro-dólar seja adotado hoje em dia, ou melhor, como se impõe isso? E quais seriam os efeitos de um eventual abandono do lastro-dólar sobre a economia mundial.

Vito Letizia – É muito oportuna a sua pergunta. Porque é uma falsa discussão que às vezes os economistas fazem – embora não os economistas mais sérios. Vamos começar pelo lastro metálico. Ele só funcionou bem quando funcionou baseado num único metal. Porque enquanto foi ouro e prata, nunca funcionou bem. Como Marx já dizia no tempo dele – que aliás era o tempo do lastro-ouro – um sistema de dois padrões, padrão prata e padrão ouro, pode funcionar perfeitamente, desde que os dois mantenham uma relação de valor constante entre si. Se não mantiverem, vai ter que ter coação sobre as oscilações do valor relativo, e vai ter fluxos de capital parasitário e recusa de moeda metálica em função das circunstâncias. Isso vai criar tumultos na circulação de mercadoria; vai dificultar, vai criar entraves ao processo circulatório das mercadorias. Então, dois metais não funcionam.

E a moeda inglesa era lastreada em ouro, mas na realidade ninguém se preocupava com o lastro-ouro da libra no século XIX. Alguns economistas franceses demonstraram isso – que o verdadeiro lastro era o papel, a libra esterlina, e não o lingote de ouro do Banco da Inglaterra. Por que a libra papel? Porque o ouro tem que vender, e a libra é moeda. O ouro é uma mercadoria. Então o importante, para o capital, sempre foi a nota emitida. Porque é com essa nota que ser vai pagar salário, fazer compras; é essa nota que vai circular. Claro, tem o burguês que tinha aquela moeda de 21 shillings, de ouro, que ele jogava no balcão da loja. Mas aquilo ali era mais uma ostentação de poder. Na hora de fazer negócios, era o papel. E o papel tem que ser um só, pra fazer os negócios. Agora, pra fazer reserva, pode ser variado. Mas é pra fazer reserva, não pra circular.

Você tem um dinheiro mundial, que é o dólar. Tem várias divisas internacionais que podem servir como reserva, que são moedas fortes que podem ser vendidas no mercado de câmbio internacional. E quando elas forem vendidas no mercado de câmbio internacional, vão ser vendidas a troca de quê? A troca de dólar, pra responder a compromissos urgentes, que são os compromissos financeiros e os compromissos de empresas produtivas. E é com nota que eles vão pagar. E não dá pra escolher: “Não, eu vou pagar com euro”, não tem isso. Euro funciona no turismo – o cara que for viajar pra Europa vai querer euro – e para a pessoa que quiser fazer reserva e estiver com medo que o dólar deprecie.

Mas o dólar se depreciou uma barbaridade e continuou sendo moeda. Sabe quanto valia o dólar quando se desligou do lastro-dólar, em 1970? Ele valia 35 dólares por onça troy. Hoje em dia é 1.500, não sei o número preciso, mas há um tempo atrás passou dos 1.500. E agora com este tumulto deve estar chegando nos 2 mil, eu nem acompanhei porque estou doente, estou com deficiência visual, não estou conseguindo acompanhar a evolução dos indicadores econômicos. Mas quando quebrar o patamar dos 2 mil vai aparecer uma notícia nalgum jornal aí que eu vou conseguir ler, porque é manchete (risadas). Mas está assim. E alguém perdeu a confiança no dólar? Não.

O dólar é o dinheiro mundial. O Banco Central Europeu não tem o direito de emitir livremente; o Federal Reserve tem. Tem compradores da moeda americana no mundo inteiro. Não tem compradores no mundo inteiro na quantidade necessária para a emissão livre do euro, nem do yen japonês, que são as três que funcionam. A moeda chinesa nem sequer é divisa. E tem gente aí, desinformada, que diz: “ Não, porque a moeda chinesa, a China tem uma economia pujante…”, mas ela nem é divisa. A reserva dela é em dólar, como é que ela vai ser divisa? Se tiver que pagar, vai pagar em dólar. Então é isso.

Pessoa da plateia – Professor, agora com a questão do crédito carbono, do carbono/ equivalente, pela questão da poluição, eu estava pensando… Por exemplo, pegando um exemplo arbitrário, quando houve aquele desvio de caminhões pelo irmão da mulher do Collor… Se a gente pudesse contabilizar o sofrimento humano e criar um crédito semelhante e colocasse no mercado… E colocar o comércio justo de forma mais transparente, então, ah, vou comprar uma camiseta porque só teve gente letrada trabalhando nela, não um escravo só, né. Expor os métodos de proceder da China, por exemplo. Seria possível uma coisa semelhante, expondo o sofrimento humano, por aí?

Vito Letizia – Olha, tudo é possível, desde que haja um número de pessoas suficiente a favor. Como é a primeira vez que eu ouço essa tua proposta, eu não posso dizer se é possível ou não. Mas a tua pergunta diz respeito à ecologia, a rigor, ao ambientalismo, às preocupações ambientalistas. Você levantou uma solução, que é a solução do capital para os problemas ambientais: transformar a destruição num sistema onerado por critérios de mercado. Mas atenção: para que esse mercado funcione precisa haver concessões do direito de destruição. Então, se você faz concessões do direito mais ou menos equivalentes a todo mundo, a todos os ramos de atividade industrial, cada um recebe um certo crédito em função do tamanho do seu capital, certo? Só que uma empresa que não precisa poluir a natureza, claro, ela vai negociar o crédito dela.

Ela tem um direito de destruição, gente, o ponto de partida é esse. Então se cria um mercado de créditos de destruição. Como o capitalismo é um sistema que precisa crescer para funcionar, está decretada a destruição da natureza, na medida em que esse mercado é alimentado com direitos de destruição. Essa é a solução do capital aos problemas ambientais. E é defendida ardorosamente inclusive por economistas que não são exatamente conservadores, viu? Eles se contentam com pouca coisa, “que bom, pelo menos isso vai coibir…”

Eu até estou de acordo, isso vai coibir um ritmo muito acelerado de destruição, mas isso nos países mais avançados, porque vocês vejam a fiscalização. Você vai vender uma coisa que para ser real precisa ser fiscalizada. Num país como o Brasil, onde a fiscalização é fictícia, vai ser um mercado fictício que vai ampliar direitos de destruição, a título de entrada no mercado de créditos de carbono. Seria um desastre, mas o Brasil ainda não está nisso. Nos países mais capazes de fazer a fiscalização é uma saída interessante para o capital. Mas a longo prazo significa destruição. Posso até conceder que no curto prazo coíba uma certa destruição mais selvagem, mas não que seja uma solução.

Pessoa da plateia – É que antes essa destruição nem aparecia, nem era contabilizada…

Vito Letizia – É. Eu te digo, este é um lado positivo da coisa. O pessoal começa a se preocupar, a contabilizar… Mas o modo de controlar isso é um modo que, no curto prazo, pode até trazer alguns efeitos benéficos porque diminui o ritmo da destruição, pelo menos, né? E no longo prazo, não resolve nada. Tem gente que considera o curto prazo mais importante: “Não, é mais urgente apoiar isso pra que pelo menos no curto prazo as coisas não evoluam de maneira desastrosa”. Tudo bem, não vou brigar com esse tipo de posição, porque realmente tem uma certa urgência de coibir o ritmo de destruição da natureza. Mas eu também não vou apresentar uma falsidade dizendo que essa é a solução; isso eu não vou dizer. Mas para o capital, é.

(….) Pessoa da plateia – Eu gostaria que você tratasse dessa questão, que você precisou anteriormente, da dívida pública americana comprada pelos chineses. Você diz que eles são os maiores compradores. Essa é uma questão: se você tem condição de precisar a quanto anda essa proporção.

Vito Letizia – Bom, seria um bloco para encerrar. Se alguém tiver mais alguma pergunta, fale ou cale-se para sempre (risadas), que a gente vai encerrar. (…) (Alguém na plateia se manifesta: “Você quer que eu faça uma?”) Eu não quero que ninguém faça perguntas, mas se você quiser fazer, eu vou me sentir honrado (risadas). Eu tô cansado, gente.

Pessoa da plateia – Ô Paulo, se ele vai se sentir honrado, você faça pelo menos uma pergunta.

Paulo Arantes – Então faço, faço uma bem rápida, se você, além da honra, tiver o fôlego e a vontade. Se passasse um pouquinho para a política. Você falou dessa simbiose entre Estado e capital financeiro. São necessários uma coalizão política e um arranjo de classes específico para que isso se sustente. Como é que você vê a coalizão política e social que dá sustentação a isso no Brasil?

Vito Letizia – E essa reivindicação da quebra da simbiose… Bom, eu vou encerrar com a política, mas vou começar com a pergunta do professor Jorge Nóvoa. A reserva de títulos do Tesouro americano pelos chineses subiu muito rapidamente, principalmente a partir de 2008. Em 2007 estava ao redor de US$ 1,2 trilhão. Aí os chineses estavam dizendo que iam reservar US$ 400 bilhões para fazer operações de livre investimento em ações diversificadas do planeta em geral, iam fazer compras de empresas. Até, quando a China falou isso, apareceram manchetes nos jornais de economia do mundo inteiro, dizendo: “A China vai às compras!!!”, com três pontos de exclamação. Mas não foi tão espetacular assim, e, por outro lado, se sabe que hoje em dia (as compras de ações do Tesouro americano) já passaram dos dois trilhões. O que mostra que a política do Tesouro chinês continua a mesma. É a dependência do mercado consumidor americano em primeiro lugar. Então, vamos dizer assim, em termos de informações que eu tenho, deve ter US$ 2 trilhões e uns quebrados. Eu achei que a China ia quebrar antes. Quebrar no sentido de não conseguir se sustentar baseada no consumo americano durante um tempo tão longo – considerando que o mercado americano estava fraquejando. Mas já passou dos dois trilhões.

Pessoa da plateia – Hoje, vindo para cá, eu ouvi que os chineses devem injetar muito mais dinheiro, e que os mercados subiram por causa desse otimismo geral nos Estados Unidos.

Vito Letizia – Então, é um tandem no qual o povo chinês fornece a mais-valia que é consumida nos Estados Unidos, cujo mercado são os Estados Unidos. E enquanto isso o mercado interno chinês está deprimido. E eles falam muito na expansão do mercado interno chinês, um dia o mercado interno chinês vai chegar a consumir o que consomem os países avançados – o que ecologicamente é perigoso. Mas acontece que o salário chinês é um salário super super super estável. Em qualquer país do mundo, se tivesse um ritmo produtivo do ritmo produtivo da economia chinesa, os salários teriam aumentado. É o único país do mundo onde a economia prossegue quarenta anos a fio, com ritmos alucinantes de atividade, sem que isso exerça uma pressão altista no salário. Claro, isso é por causa das características da sociedade chinesa. São operários sem direito nenhum, e que precisam de um mínimo de direitos para conseguir um mínimo de crescimento salarial. Teve crescimento, por outro lado, mas não dos mingong, que são os trabalhadores que sustentam essas exportações.

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