Menu fechado

Tio Vito

Renato Letizia Garcia, sobrinho de Vito Letizia

Renato Letizia Garcia

Eu quero agradecer a oportunidade de estar aqui neste evento e ressaltar o orgulho e a honra que tenho em poder falar para esta plateia sobre o meu tio Vito.

Para explicar este orgulho, descrevo inicialmente como era o diálogo com meus pais sobre o Vito, quando eu era criança:

– Mãe, onde está o tio Vito ?

– Ele está fora do Brasil.

– Onde?

– Fora, na França, na China, na Rússia.

(Até em Cuba me falavam que ele estava… isso variava um pouco, pois tinham que mudar ele de país na medida que passavam os anos.)

– Quando ele volta?

– Vai demorar… ele não pode voltar.

– Por quê?

– Ele foi preso.

– Quem ele matou?

– Ele foi preso por suas ideias…. ele tinha ideias diferentes e o governo não aceitava…

– Na realidade ele era um subversivo – dizia meu pai…

(Hoje eu acho essa palavra “subversivo” mais do que um elogio, depois vou explicar por quê.)

– Mas como uma pessoa pode ser presa só por pensar diferente? … eu perguntava.

Infelizmente, parece que o contexto político atual nos dá algumas pistas de como as coisas funcionavam na época da prisão do meu tio.

Bom… continuando a história.

Eu ficava me lembrando: na última vez em que vi o tio Vito eu era uma criança de cinco anos. Ele tomava café tranquilamente na casa da minha vó. E me recordo do modo calmo como ele conversava comigo, me fazia perguntas, ouvia o que eu tinha a dizer. Também me recordo da felicidade da minha vó de ele estar por ali, pois imagino que ele vivia o tempo todo na rua.

Assim, concluí que essa pessoa não poderia ter ideias tão ruins.

Com o passar dos anos, fui obtendo maiores informações sobre o meu tio. Ele era muito estudioso, tinha muito conhecimento… e isso me estimulava a estudar, pois admirava a coragem dele em buscar uma trajetória de vida distinta da maioria das pessoas.

Assim, embora tenha concluído graduação e doutorado em Engenharia, sempre gostei muito de ler sobre história, focando em tópicos como guerras mundiais, socialismo, marxismo… também para entender um pouco sobre o mundo no qual o meu tio vivia e o que ele buscava.

Felizmente, com seu retorno ao Brasil e convívio com os familiares, a partir da década de 1980 tive oportunidade de saber muito mais sobre história, política e filosofia nas longas conversas que mantive com o tio Vito (muitas delas na casa da Cida, em Gramado).

Claro, quanto mais eu conversava mais ficava impressionado com o conhecimento que ele tinha do mundo. Ele era quase um Google da década de 1980, pois bastava citar um evento histórico, país, guerra ou político que ele sempre tinha algo consistente a dizer sobre o assunto.

Assim, penso que no momento atual do Brasil, o Vito não seria preso por suas IDEIAS. Pois, se à época em que isso ocorreu ser subversivo era um crime, porque a difusão de ideias subversivas poderia conquistar corações e mentes para a luta na busca de uma sociedade mais igualitária, vejo que esta luta hoje está esquecida e, com certeza, não temos hoje “subversivos” que tenham a cultura, o conhecimento, a capacidade de abnegação e, simultaneamente, a paixão por essa luta como tinham o tio Vito e alguns de seus companheiros, que eu tive a felicidade de conhecer.

Quero concluir esta homenagem ao Vito lembrando o tema deste evento: “Vivemos em uma democracia hoje?” Eu diria que, a partir do meu convívio e aprendizado com o Vito, entendo que uma democracia somente irá ocorrer em uma sociedade na qual seus cidadãos tenham liberdade, educação e uma condição de vida digna. Acho que isso pode ser sintetizado na frase musicada do Skank:

“Se abolir a escravidão do caboclo brasileiro… numa mão educação, na outra dinheiro.”


Renato Letizia Garcia é perito químico e diretor regional da Associação dos Peritos Criminais Federais no Rio Grande do Sul. Ele leu este texto para os presentes no debate “A democracia no Brasil atual – expectativas e realidade”, que Cemap-Interludium promoveu em 28 de julho no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, como parte da nossa homenagem pelos dez anos da morte de Vito Letizia. A imagem deste post foi tirada por Ike Eskinazi pouco depois do debate. A da página de índice foi feita por Jean Michel Bouchara durante a leitura do texto no evento. As duas fazem parte do arquivo de Cemap-Interludium.

Veja mais

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *